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22 de Agosto de 2017 às 20:15

Muçulmanos sem qualidades

Um marroquino é apanhado a traficar haxixe no ferry de Ceuta para Algeciras, cumpre quatro anos numa penitenciária na Comunidade de Valência, sai em 2014 para converter-se em imã na Catalunha e três anos depois vai pelo ares ao manusear explosivos para um atentado na "Sagrada Familia" de Barcelona.

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Abdelbakki es Satti, nascido em 1973 entre as plantações de haxixe da província de Chaouen, já fora detido em 2006 por suspeita de envolvimento com jihadistas em Vilanova i la Geltrú, nas proximidades de Barcelona, antes de fixar-se em Ripoll.

 

De Janeiro a Março de 2016 sobrou notícia da sua presença nas imediações do foco jihadista de Vilvoorde, mas após abandonar terras flamengas concentrou-se na endoutrinação em Ripoll.

 

Na década de setenta e oitenta muitos jovens de Ripoll, como tantos outros da província de Gerona, bem poderiam ter acabado nos excessos "quinqui", a onda de deliquência agarrada à heroína da Espanha da Transição, mas a alguns dos filhos de emigrantes marroquinos que começaram a chegar nos anos 90 foi reservada outra sorte.     

    

Em Ripoll abundam os testemunhos sobre a prosperidade de meio milhar de muçulmanos entre pouco mais de 10 mil habitantes e a incompreensão ante a clandestina e repentina radicalização jihadista. 

 

A célula de Ripoll apresenta, contudo, traços típicos do terrorismo jihadista sunita em países da Europa Ocidental com fixação de emigrantes muçulmanos.

 

Os contactos que já foram identificados com núcleos de Marrocos, França, Bélgica e Suíça integram os terroristas da Catalunha na rede transnacional jihadista e a célula de Ripoll formou-se próxima de Barcelona.

 

A Espanha contava com cerca de 2 milhões de muçulmanos (42% de nacionalidade espanhola, dos quais metade nascidos no país), predominando os marroquinos - aproximadamente 750 mil - entre os emigrantes, de acordo com um estudo deste ano da "Unión de Comunidades Islámicas de España e Observatorio Andalusí".

 

Mais de meio milhão de muçulmanos concentra-se na Catalunha, seguindo-se a Andaluzia (300 mil), Madrid  (283 mil) e Comunidade Valenciana (204 mil), refere ainda este levantamento.

 

A capital catalã surge, contudo, como principal área de recrutamento, seguida de Ceuta, Madrid e Mellila, segundo um recenseamento de detidos jihadistas entre 2013 e 2016 realizado pelo Real Instituto Elcano. 

 

A endoutrinação por trato directo, durante pouco mais de um ano, com um imã de 45 anos (à data da morte) de jovens do sexo masculino próximos entre si por laços familiares e de amizade de idades entre os 17 e 28 anos (por ocasião dos ataques), sem vínculos anteriores a actos de deliquência, meios marginais ou socialmente ostracizados é, igualmente, frequente.

 

No bando de Ripoll não é caso de vínculo entre marginalização, deliquência e conversão ao jihadismo sunita de jovens de meios pobres, de diminuta formação escolar, em situações de desemprego ou trabalho mal remunerado e/ou precário, criados em ambientes de violência, vandalismo e criminalidade comuns nas urbanizações degradas e/ou segregadas. 

 

Na Catalunha predominou a radicalização primária por via de motivação religiosa, reforçando o sentimento de identidade distinta, e crença no martírio salvífico pessoal à custa do morticínio indiscriminado de infiéis. É o primado da ideologia.   

 

Desnorteados, em busca de convicções e razões, em vez de se quedarem pela indiferença e o relativismo como certas personagens do grande romance inacabado de Robert Musil, os jihadistas de Ripoll também se deixam moldar pelas circunstâncias, mas para se perder na violência assassina.  

 

Pior: falta-lhes o suplemento de alma e o amor do lugar.

 

Mataram e morreram sem nunca compreenderem a beleza das palavras de Josep Carner na sua ida à Barcelona natal no derradeiro ano de 1970, sofrida a amargura do exílio.

 

Perdido nas brumas do Alzheimer, ao poeta algo ocorreu ao ver-se na Rambla e, então, exclamou: "Esta deve ser uma grande cidade".

 

Jornalista

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