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13 de Fevereiro de 2018 às 18:30

Merkel e o seu governo nado-morto 

Angela Merkel e os sociais-democratas contavam formar governo sem nomearem à partida ministros ou ministras oriundos do Leste, onde a chanceler cresceu e viveu até à reunificação de 1990, numa omissão de palmatória que só por si condenava à nascença a coligação.

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Tarde se aperceberam do erro quando começaram a chover críticas da social-democrata Manuela Schwesig, chefe do executivo de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, do seu camarada Dietmar Woidke, do Bradenburgo, ou do cristão-democrata Reiner Haseloff, líder do governo da Saxónia-Anhalt.

 

A filha de um pastor luterano e de uma professora de línguas que se mudaram de Hamburgo para a República Democrática Alemã em 1954, pouco depois do seu nascimento, aos mostrar-se conivente em tamanha insanidade, quedando-se como única representante dos cinco estados do Leste no governo federal, revelou os limites do tacticismo que alardeia desde a chegada ao poder no final de 2005.

 

Entre os 16 länder, o legado comunista condena os cinco estados do leste e seus 13 milhões de habitantes, à figura de parentes pobres a um ano de expirar a vigência da taxa de solidariedade, uma das medidas transitórias do executivo de Helmut Kohl para financiamento da reconstrução que o acordo de coligação preservou.

 

Para os ossies, minoritários entre mais de 80 milhões de alemães, à frustração de  rendimentos per capita abaixo da média nacional junta-se a subrepresentação política e escassa influência nas esferas do poder.

 

Desde a queda do Muro de Berlim, cerca de 2,5 milhões de wessies migraram para leste e cabe a quadros ocidentais o grosso das chefias, em percentagens sempre superiores a 80%, em empresas, sindicatos, instituições judiciais ou de ensino, ficando a representação de ossies em órgãos de governo dos cinco estados pelos 70%. 

 

A falta de quadros qualificados, escassa penetração nas redes de influência da república federal, rendimentos comparativamente menores, maiores carências de serviços, propiciam, tanto quanto os estigmas da doutrinação comunista, tendências xenófobas, racistas e autoritárias no Leste.

 

No Leste, a Alternativa para a Alemanha de extrema-direita surgiu nas eleições de Setembro como o segundo partido mais votado à frente dos conservadores, e a esquerda, reunindo comunistas e extrema-esquerda, somou resultados eleitorais superiores aos sociais-democratas. 

 

Subestimar a relevância das clivagens regionais com fortíssima carga política é um dos erros maiores do compromisso firmado entre Merkel, o defenestrado social-democrata Martin Schulz, seu camarada e inimigo de partido Sigmar Gabriel, além do rival nas hostes conservadores Hoorst Seehofer pelos cristãos-sociais da Baviera.

 

Nos três partidos somam-se críticas à partilha de pastas, muito em particular a cedência das finanças aos sociais-democratas pela banda conservadora, ou a nova aliança com Merkel que vem penalizando eleitoralmente os sociais-democratas desde 2005 e exaspera a liderança da organização de juventude galvanizada por Kevin Kühnert.

 

Entre sociais-democratas avultam ainda críticas pelo impacto das reformas laborais e da Segurança Social de Gerhard Schröder, entre 1998 e 2005, que custaram caro ao partido e acabaram por abrir caminho aos anos de crescimento cavalgados por Merkel.

 

A incoerência política da putativa coligação é um dado adquirido, certeza rara nos tempos que correm na Alemanha, e receituário fatal em matéria de eficácia e reputação.

 

Se a 4 de Março for anunciado o chumbo do acordo no referendo interno do Partido Social Democrata, só restará a Merkel resignar-se a formar governo minoritário ou a arrostar com eleições antecipadas capazes de fustigarem ainda mais conservadores e sociais-democratas.

 

Kapput, é, entretanto e depois, o termo certo quanto a veleidades de liderança incontestada da Alemanha na UE ou de reformas com o abalo do Brexit.

 

Jornalista

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