Opinião
Linhas vermelhas no deserto
O rublo, empresas dependentes de favores do Kremlin, como a "holding" do magnata do alumínio Oleg Deripaska, entraram em queda com nova vaga de sanções financeiras norte-americanas à Rússia, numa antevisão dos tremores generalizados que a guerra na Síria gera.
A partir do momento em que Donald Trump responsabilizou Bashar al-Assad por mais um ataque com armas químicas, desta feita contra posições de jihadistas apoiados pela Arábia Saudita em Douma, imediações de Damasco, no sábado, a escalada tornou-se inevitável.
Já Barack Obama ameaçara al-Assad com punição militar pelo uso comprovado de gás sarin nos arredores de Damasco em 2013, mas recuou, abriu caminho a Moscovo para mediar um processo ínvio de desmantelamento de arsenais químicos, e deitou a perder a própria noção de ultimato e retaliação exemplar.
Trump, por sua vez, limitou-se a autorizar passados quatro anos um bombardeamento de mísseis, sem dimensão assinalável, contra a base aérea de Shayrat, em Homs, na sequência do uso de agentes químicos em Khan Shaykhun, praça-forte de jihadistas próximos da Al-Quaeda, na província de Idlib.
Em mais de sete anos de guerra, sucessivos incidentes com armas químicas por parte de apoiantes e opositores de Bashar al-Assad reduziram a nada um interdito com valor de lei internacional.
Só Israel e a Turquia, entretanto, traçam implacavelmente linhas vermelhas no deserto.
Israel bombardeou, na segunda-feira, dia 9, a base aérea de Tiyas, também na província de Homs, no centro da Síria, na sequência de ataques similares em Março de 2017 e em Fevereiro deste ano.
Contenção do risco de investidas do Irão e milícias libanesas do Hizaballah é a justificação de Israel ao invocar a protecção das suas fronteiras a norte com a Síria e o Líbano.
A acomodação de Telavive aos interesses russos na Síria não implica ceder ante ameaça de excessiva proximidade iraniana. É uma linha vermelha, um interdito existencial.
Em Ancara, a lógica é similar. Para o Estado turco é intolerável a unificação dos distritos de maioria curda em Afrin, Kobane e Qamesli, e Recip Erdogan só acede a acordos com russos ou iranianos se tiver garantido que o Norte da Síria nunca será base de independentistas curdos por mais que Washington os apoie na luta contra al-Assad.
Reduzida à expressão mínima no imediato a presença no terreno de jihadistas do Estado Islâmico e da Al-Qaeda, al-Assad e aliados preparam investidas contra redutos rebeldes em Idlib, a noroeste, e Deir al Zour, a leste, sem que se vislumbre o que reste a norte-americanos, franceses ou britânicos como alternativa militar no terreno.
Em Washington abundam teses contraditórias, mas a conjuntura indicia que, visando a denúncia do acordo nuclear com Teerão em Maio, pode ter chegado o momento ideal para um confronto directo com a Rússia e o Irão.
A dimensão e a intensidade do ataque às posições sírias - simbólicas, como o palácio presidencial em Damasco, por exemplo, a par de bases militares incluindo ou não alvos próximos de contingentes russos e iranianos - darão uma ideia das reais intenções de Trump.
A participação de outros estados no ataque, em especial de França e Grã-Bretanha, permitirá apurar a intenção e anuência de outras capitais a um confronto que poderá implicar uma ruptura com Teerão.
Uma linha vermelha é uma advertência, um interdito, e violá-la paga-se caro.
Ameaçar e, depois, claudicar acarreta paga ainda mais pesada.
Jornalista