Opinião
Grécia: prolongamento e morte súbita
O governo de Atenas, ao propor prorrogar o prazo de empréstimos ao mesmo tempo que revoga garantias contratadas com os credores da eurozona, caminha para uma morte súbita assim que voltar a tentar forçar os termos das negociações.
Syriza e seus aliados da direita nacionalista xenófoba insistem em avançar com medidas de aumento da despesa pública à revelia dos termos do programa de assistência financeira precisamente numa altura em que Atenas está prestes a esgotar as suas reservas financeiras.
A acrimónia na discussão pública e à porta fechada revela essencialmente a inviabilidade da manutenção da Grécia na eurozona na ausência de consensos políticos para reforma de uma economia que esgotou fontes de financiamento externo para sustentar o défice crescente de um sistema de patrocínio político estatal.
O excedente orçamental primário de 3% conseguido em 2014 graças a um crescimento económico de 0,6%, depois de seis anos de recessão, começou a esboroar-se ao aproximarem-se as eleições e as dívidas fiscais e à segurança social atingem 76 mil milhões de euros, dos quais só 9 mil milhões de euros são recuperáveis, segundo estimativa do actual executivo.
Um caos apreciável
A desordem que se acentuará na Grécia após a saída do euro é subestimada ao não ser dada a devida atenção às consequências da implosão do bipartidarismo conservador e socialista que tutelou e arruinou o país desde a queda da ditadura do coronéis em 1974.
A ascensão do Syriza, 36% nas eleições de Janeiro, acentuou o radicalismo político patente ainda nos 6% conseguidos pelos neo-nazis da Aurora Dourada, nos 5% dos comunistas e também dos nacionalistas xenófobos Gregos Independentes que acabariam coligados com Tsipras.
Num país arruinado por conservadores e socialistas e submetido a um programa de saneamento das finanças públicas que deixou um quarto da população no desemprego, as últimas eleições, com uma taxa de abstenção de 36% apesar do voto obrigatório, confirmaram 52% do eleitorado a votar por alternativas extremistas à esquerda e à direita.
A bomba de Tsipras
Alexis Tsipras captara bem o estado de espírito do eleitorado depois de o Syriza ter ascendido a segundo partido mais votado nas eleições de Maio e Junho de 2012.
Os gregos cortaram com tabus e conveniências políticas e sem que a maioria aderisse à esquerda radical expressaram o anseio por uma mudança muito grande e profunda, admitia Tsipras em conversas tidas um ano depois com dois radicais de extrema-esquerda e em boa hora editadas por cá ("O que quer a Europa?" Slavoj Žižek, Srecko Horvat, Alexis Tsipras, "Relógio d’Água, Lisboa, 2015).
Desde então, na ausência dos desejados aliados em Estados europeus, Tsipras continua a apostar no que então definia como a vantagem da ameaça de romper o elo entre os Estados do euro por via da negação de programas de austeridade: "A nossa bomba atómica é o facto de sermos membros da Zona Euro."
A bomba vai rebentar nas mãos de Tsipras, empestar tudo em redor, e está por saber até que ponto será possível obviar aos estragos e à pestilência.
O desenlace
Depois de ter deixado de aceitar títulos da dívida grega como garantia para concessão de liquidez à banca, o BCE pode, por maioria de dois terços do Conselho, reduzir ou cancelar a "assistência líquida de emergência".
Se o BCE não aumentar ou reduzir o limite actual de 65 mil milhões de euros as dificuldades da banca grega tornar-se-ão insustentáveis, levando a muito curto prazo à imposição do controlo de movimentos de capitais tal como ocorreu em Chipre em 2013.
Se, falhadas as próximas negociações sobre resgate e contrapartidas, secar o financiamento do BCE e do Banco Central da Grécia, a insolvência da banca grega – sem liquidez, carente de fontes alternativas de financiamento e a braços com uma hemorragia de depósitos – obrigará o governo de Atenas a recorrer à introdução de uma moeda paralela ao euro.
A exclusão efectiva do euro deixaria em aberto a questão da permanência da Grécia na UE e abriria uma crise nos mercados financeiros pelo simples facto de ter sido posta em causa a irreversibilidade da adesão à união monetária europeia, mas teria a vantagem de pôr fim a uma situação insustentável de financiamento a fundo perdido a um estado de coisas irreformável.