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22 de Janeiro de 2014 às 00:01

Fumo negro em Montreaux

A União Europeia, além do contributo financeiro para acções humanitárias, terá de rever a sua política de acolhimento e alargar bastante a aceitação de refugiados sírios.

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Mitigar temporariamente o sofrimento dos refugiados e desalojados sírios é o único objectivo que resta à malfadada conferência de paz que hoje começa em Montreaux.

Imposta pelos interesses políticos de blocos rivais onde predominam Estados Unidos, Arábia Saudita, Qatar e Rússia, a segunda conferência de paz sobre a Síria deveria abordar os termos de um cessar-fogo que abrisse caminho para a formação de uma entidade governamental interina com "plenos poderes executivos" responsável pela condução de uma "transição política".

O respeito pela "soberania, independência, unidade nacional e integridade territorial da Síria" advogado na primeira conferência ocorrida em Genebra em Junho de 2012 implicaria o termo da violência armada, mas, entretanto, agravou-se a virulência do conflito tendo irrompido em força no conflito grupos jihadistas.

Assad e os jihadistas

Bashar al Assad consolidou, por sua vez, posições em Damasco e no litoral, as milícias sunitas seguidoras dos "Irmãos Muçulmanos" congregados no "Exército Livre da Síria" pulverizaram-se em facções antagónicas e perderam terreno para jihadistas da "Jahabat al Nusra" ("Frente para a Vitória do Povo Sírio") e do "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" que, aliás, combatem entre si.

À excepção de grupos autonomistas e separatistas curdos que se impõem pela força das armas no norte e nordeste junto às fronteiras com a Turquia e Iraque as demais minorias étnico-religiosas – sobretudo cristãos, arménios, turcomenos, palestinianos, druzos – hesitaram em acompanhar a revolta sunita contra a minoria alauíta que presentemente se apresenta como um baluarte contra o "terrorismo jihadista", irrelevante no início da contestação em Março de 2011.

A partir do momento em que a revolta dos sunitas (cerca de 70% da população) perdeu ímpeto a favor do jihadismo ante um regime que recorreu a todos os meios para garantir o controlo do eixo estratégico Damasco-Latakia-Tartus, Aleppo, com apoio do Irão, dos xiitas libaneses do "Hizballah" e da Rússia, al Assad recuperou a iniciativa.

O acordo de Setembro de 2013 para desmantelamento do arsenal químico de Damasco, momento em que a diplomacia russa se superiorizou ante a relutância de Washington em intervir militarmente num conflito intratável, evitou um inconsequente ataque norte-americano e implicou o reconhecimento de facto do governo de Assad como parceiro incontornável de eventuais negociações, independemente dos crimes de guerra cometidos.

Negociações inconsequentes

O passo em falso do convite de Ban Ki-moon ao Irão para participar nas negociações de Genebra II foi demonstrativo da vacuidade das iniciativas diplomáticas sem correspondência com os actuais equilíbrios de força no terreno.

O desentendimento entre o secretário-geral da ONU e as autoridades iranianas quanto ao pressuposto de Teerão ter de aceitar como precondição das negociações o objectivo de formação de um governo interino de transição, conforme sublinhado por Washington ou Paris, não deve contudo fazer esquecer que para os Estados Unidos é mais importante manter os canais abertos para negociar o programa militar nuclear de Teerão, do formalizar um acordo inviável quanto à guerra civil síria.

A "Coligação Nacional Síria", liderada pelo sunita Ahmad Jarba, próximo da Arábia Saudita, ainda se apresenta como a putativa liderança no exílio da oposição a al Assad, mas demonstra escassa capacidade militar, perdendo terreno para juhadistas, milícias e bandos armados locais, forças governamentais e curdos, perde crescentemente apoios na Turquia, Qatar e Arábia Saudita, e surge irremediavelmente dividida.

Numa votação realizada sábado em Istambul só 58 dos 119 representantes com direito de voto apoiaram a participação em conversações de paz com a presença de elementos do governo de Damasco e uma das principais facções apoiada pelo Qatar abandonou a "Coligação".

Suplício dos refugiados

Ante o impasse militar, presentemente favorável a al Assad e motivador para os jihadistas, não sobra espaço para um compromisso de tréguas e negociação política num conflito que alastrou ao Líbano, para onde partiram mais de 850 mil sírios, e implica o Iraque que acolhe para cima de 200 mil refugiados.

Na Jordânia a presença de 575 mil refugiados ameaça tornar-se insustentável, enquanto na Turquia a chegada de 600 mil sírios e no Egipto, com 130 mil pessoas fugidas ao conflito, as crises políticas em curso revelam-se pouco propícias ao acolhimento de vítimas da guerra.

A Arábia Saudita ou o Qatar recusam liminarmente aceitar refugiados que consumem recursos escassos, ameaçam periclitantes equilíbrios étnico-religiosos, sobretudo na Jordânia e Líbano, e estão dependentes de ajuda internacional que tem escasseado apesar da União Europeia por si só ter proporcionado mais de metade dos financimentos num montante superior a 1,3 mil milhões de euros.

A continuação do conflito fará aumentar o actual número de refugiados (2,5 milhões) e como entre os principais países de acolhimento só a Turquia é signatária da "Convenção sobre o Estatuto de Refugiados e Apátridas", estabelecida pela ONU em 1951 para proteger vítimas europeias do pós-guerra e assumindo âmbito universal com o "Protocolo" de 1967 são de esperar dificuldades acrescidas a acções de apoio.

A União Europeia, além do contributo financeiro para acções humanitárias, terá de rever a sua política de acolhimento e alargar bastante a oferta de aceitação de refugiados que actualmente não ultrapassa os 12.350 (menos de 1% do total), abrangendo apenas 10 estados membros com especial destaque para a Alemanha que admite conceder residência permanente a 10.000 pessoas.


Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/

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