Opinião
Factos consumados
Há cem anos François Georges-Picot e Mark Sykes assinaram, com assentimento do czar russo, um acordo para partilha do Império Otomano que hoje faz correr mais sangue do que nunca.
O tratado secreto franco-britânico foi denunciado pelos bolcheviques após tomarem o poder em Petrogrado, em Novembro de 1917, e o escândalo obrigou a negociações com os Estados Unidos e Itália para definir um sistema de mandatos pela Sociedade das Nações.
O xerife de Meca, Hussein al Hashimi - traído pelos britânicos -, sionistas a quem fora prometido por Londres "um lar nacional para o povo judeu", viram-se frustados com a delimitação de zonas de influência no final da Grande Guerra.
A ascensão da Casa de Saud na Arábia Saudita, a revolução nacionalista laica turca de Kemal Ataturk, a falhada autonomia dos curdos, complicaram a partilha Sykes-Picot, mas o essencial subsistiu até à II Guerra Mundial com domínio francês sobre Líbano e Síria e hegemonia britânica no Iraque, Jordânia e Palestina.
Desta ignominiosa história sobraram ódios de grupos étnicos, religiosos e políticos espartilhados ou soberanos em estados de poderes opressivos e fronteiras contestadas e vingou, sobretudo, a política dos factos consumados.
Em Israel, onde predomina uma direita nacionalista cultivando o excepcionalismo étnico-religioso, Benjamin Netanyahu acaba, precisamente, de lançar uma campanha pelo reconhecimento internacional do domínio do Estado judaico sobre os Montes Golã.
Conquistados à Síria na guerra de 1967, os Golã representam posição estratégica para controlo do Norte e Nordeste de Israel, dos recursos do Mar da Galileia, e do Sudoeste da Síria.
Além de disputas fronteiriças, envolvendo ainda o Líbano, quanto à soberania sobre 22 quilómetros quadrados das Quintas de Sheeba, as negociações sobre os Golã implicam a devolução do território a Damasco e garantias de segurança para Israel.
Em 2008, a Turquia mediou conversações entre a coligação liderada por Ehud Olmert - Kadima, centrista - e Bashar al-Assad que fracassaram com a invasão israelita em Dezembro de Gaza em retaliação por ataques do Hamas.
A guerra civil síria pôs fim a quaisquer veleidades de negociar o abandono dos Golã e Israel, que formalmente considera não ter anexado os territórios, e que passa agora a nova fase de política da força.
Netanyahu em reunião do gabinete israelita nos Montes Golã, em Ma'aleh Gamla, no mês passado, afirmou que as conquistas de 1967 serão pertença para sempre do Estado judaico.
Rever fronteiras artificiais e caducas de estados perdidos de vez em guerras civis é uma imposição política, avança Netanyahu.
Jerusalém Oriental e Cisjordânia continuam sob tutela israelita sem vislumbre de intenção negocial com forças hostis a acordos de paz (islamistas do Hamas em Gaza) ou uma autoridade palestiniana equívoca sobre garantias de segurança.
Conversações com Chipre e Líbano quanto à delimitação de fronteiras marítimas para exploração de jazidas de gás natural estão longe de produzir resultados.
Israel avançou, entretanto, com a exploração da jazida de Tamar, em 2013, enquanto Leviatã, a maior com potencialmente 453 mil milhões de metros cúbicos, se arrasta em querelas jurídicas de foro interno.
Factos consumados são a lei da selva no Levante e, neste particular, jihadistas, facções políticas curdas e turcas, xiitas, sunitas, druzas e judaicas abominam o acordo Sykes-Picot.
Jornalista