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03 de Outubro de 2017 às 21:01

Catalunha: começar pelo fim

A instituição de comunidades autónomas e o reconhecimento da Catalunha, País Basco e Galiza como "nacionalidades históricas", englobando desde 1981 a Andaluzia, carece de reformulação de poderes.

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Toda a realidade é uma pedra: convém não tropeçar nela duas vezes. Lembra-te ao andar.

 

Xavier Bru de Sala

 

Os conservadores catalães propalaram em tempos a sua fama de negocistas ponderados e arrimados às conveniências, mas, agora, perderam a tramontana e andam a reboque de anarquistas e esquerdistas, embalados na exaltação nacionalista.

 

Depois de Jordi Pujol - pragmático e corrupto - ceder a presidência da Generalitat em 2003, a Convergència e Unió radicalizou a veia nacionalista na compita com socialistas e a esquerda republicana.

 

O mais recente avatar conservador, Partit Demòcrata Europeu Català, vê-se enleado na ideologia identitária promovida desde a década de 60 pela Omnium Cultural e o frentismo separatista que desembocou na fundação em 2011 da  Assemblea Nacional Catalana.

 

Na monarquia das autonomias, catalães e bascos levaram a palma ao negociarem concessões orçamentais e poderes administrativos a governos centrais dependentes de apoios parlamentares pontuais ou de legislatura, mas a maioria absoluta de José Maria Aznar em 2000 alterou o cenário.

 

À reordenação centralista defendida pelo líder madrileno fez frente à coligação de Esquerra Republicana de Catalunya, socialistas, verdes e alternativos que levou ao poder em Barcelona, em 2003, o socialista Pasqual Maragall, e, desde então, o "Som una nació" condicionou todas as negociações.

 

A eclosão da crise económica em 2008 e o chumbo pelo Tribunal Constitucional, em Junho de 2010, do Estatuto da Autonomia empolgaram a contestação à "indissolúvel unidade" da nação consagrada pelo compromisso constitucional de 1978.

 

A instituição de comunidades autónomas e o reconhecimento da Catalunha, País Basco e Galiza como "nacionalidades históricas", englobando desde 1981 a Andaluzia, carece de reformulação de poderes.

 

Tal reforma implica rever os estatutos autonómicos de Aragão, Ilhas Baleares, Canárias e Comunidade Valenciana, que autodefinem, igualmente, "nacionalidades históricas", enquanto a denominação "comunidades históricas" está reservada para Castela e Leão, Astúrias e Cantábrias.

 

As 17 "comunidades autónomas" e 50 províncias da "nação espanhola", além das "cidades autónomas" de Ceuta e Melilla, herança de uma difícil negociação na transição para uma monarquia parlamentar, laica e civilista, o "café para todos" do primeiro-ministro Adolfo Suárez, apresentam, portanto, arquitectura pouco propícia a revisão constitucional que obriga a maioria de 3/5 no Senado e no Congresso ou maioria absoluta entre os senadores e de 2/3 dos deputados.

 

Felipe VI, entretanto, faz figura de perdedor, ausente na crise catalã, e não prima sequer por iniciativas de mediação nos bastidores. Guardou-se para uma tardia declaração na noite desta terça-feira.   

 

A tormenta catalã evoca já a desmesura e o desatino do Verão fatal de 1917 com as suas juntas militares, greve geral revolucionária, agitação soberanista e republicana, que desembocaria oito anos mais tarde na ditadura de Primo de Rivera.

 

Mariano Rajoy fracassou numa opção de força, a autoridade é contestada, chegou-se a ponto de uma associação de oficiais da Guardia Civil deplorar publicamente "a falta de sentido de estado".

De resto, desde a revolta da Jamancia, em 1842, passando pelos combates da Setmana Tràgica de 1907 ou os confrontos fratricidas após a restauração da Generalitat em 1931, os braços-de-ferro entre as classes dirigentes e possidentes da Catalunha e Madrid sempre propiciaram extrema radicalização social e política.

 

A proliferação de interesses divergentes impede, contudo, a constituição de uma maioria sociológica favorável à ruptura institucional com Madrid, mas o activismo e a determinação demonstrada por um núcleo duro separatista que, provavelmente, supera um milhão de catalães entre os 7,5 milhões de residentes na província não dão tréguas. 

 

A área cultural catalã do seu extremo sul em Guardamar (Comunidade Valenciana) a Salses/Salses-le-Château (Perpiñan, França) e Ilhas Baleares não apresenta, de resto, qualquer consistência política e as idiossincrasias linguísticas são de monta (valha o exemplo da comarca de Val d Arán nos Pirenéus) o que contém o apelo separatista.        

 

Este Verão, mesmo depois do referendo consultivo de 2014, da entrada nas Cortes de Madrid em 2016 de Podemos e Ciudadanos, da investidura de Carles Puigdemont com patrocínio da extrema-esquerda, Candidatura de Unitat Popular, o retrato sociológico do independentistmo catalão revelava uma aspiração minoritária.

 

O apoio incondicional à independência vinga, sobretudo, entre pessoas de rendimentos mais elevados, maiores qualificações académicas e profissionais, de ascendência catalã por pais e avós, segundo os inquéritos do Centre d' Estudis d' Opinió da Generalitat.        

 

Um governo central minoritário, eleições nacionais e regionais à vista e presumivelmente inconclusivas dão asas ao aventureirismo em Barcelona e deixam Puigdemont à beira de uma declaração unilateral de independência. "Assim, pois, começa pelo fim", conforme reza o poema em epígrafe que data de 1973.

 

O poeta Xavier Bru de Sala afirmava-se, então, e afirma-se, ainda, soberanista, mas, agora, adverte os seus confrades nacionalistas que "cantar vitória antes de tempo pode ser muito perigoso".

 

Tropeçar na realidade vai provocar muita dor por toda a Espanha.  

 

Jornalista

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