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Opinião
06 de Janeiro de 2016 às 00:01

Alá e os seus 

A nova ronda de confronto entre a Arábia Saudita e o Irão arrisca agravar-se e expandir ondas de choque pelo Médio Oriente na ausência de potências externas capazes de mediarem ou oferecerem garantias de segurança a Riade e Teerão.

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Durante as décadas de "boom" petrolífero e até à revolução iraniana de 1979, os Estados Unidos asseguraram o equilíbrio entre as ambições do xá Mohammad Reza Pahlavi e da Casa de Saud e zelaram pela segurança no Golfo ante eventuais ameaças soviéticas.

 

O Aiatollah Khomeini fez ruir um dos pilares do sistema de segurança e se a aliança espúria das monarquias sunitas do Golfo com Saddam Hussein na guerra entre o Iraque e o Irão (1980-88) conteve Teerão, não obstou a que a arrogância do ditador de Bagdade acabasse por justificar uma intervenção militar norte-americana na região, com caução da ONU e luz verde de uma URSS à beira da implosão.

  

A jihad e o xiismo

 

No final de 1979, a Grande Mesquita de Meca fora ocupada por milenaristas proclamando a redenção, o advento do mahdi, e o ano que começara com o retorno triunfal de Khomeini a Teerão terminaria com a invasão soviética do Afeganistão.      

      

O jihadismo sunita, alternativa ao fracasso de regimes autoritários e desenvolvimentistas secularistas e panarabistas, ampliado na guerra do Afeganistão, fazia, entretanto, o seu caminho contestando os Irmãos Muçulmanos (massacrados na Síria por Hafez al Assad em 1982) e movimentos salafistas.   

 

Uma nova reivindicação do poder pela minoria xiita, mesmo descartando a doutrina de governo de todo o quotidiano da comunidade dos crentes pelos juristas da xaria avançada por Khomeini, iria também entrar em choque com o regime da seita waabita.

 

O rigorismo salafista dos sauditas expandira-se em proselitismo sem peias graças ao peso ganho pela conjunção da custódia das cidades santas de Meca e Medina e as receitas do petróleo.

 

No Líbano, as alterações na balança demográfica a favor dos xiitas tiveram o  corolário político na pujança do Hizballah, ainda que os fiéis de Ali no Bahrein ou no Leste da Arábia Saudita não tenham conseguido livrar-se do jugo dos al Khalifa e dos Saud.

 

A invasão do Iraque de 2003 condenaria o domínio sunita no Iraque, abrigaria Israel do risco de guerra em todas as frentes, e reforçaria o irredentismo curdo, prejudicando sobretudo a Turquia.

 

A par das disputas entre estados abria-se o caminho à contestação dos ordenamentos impostos no final da I Guerra Mundial num quadro de quezílias generalizadas entre grupos étnico-religiosos curdos druzos, maronitas, gregos católicos e ortodoxos, turcomenos, alauítas, xiitas, alevis, sunitas, yezidis, entre outros.

  

Alianças de circunstância

 

Os alinhamentos tácticos no apoio a Bashar al Assad e à minoria alauíta - ramo esotérico e no limite contrário à ortodoxia xiita vigente em Qom (Irão) e Najaf (Iraque) - ou a cooperação nuclear com Moscovo não fazem esquecer em Teerão que a expansão da Rússia tzarista e do sovietismo no Cáucaso, Ásia Central e nas margens do Mar Cáspio se fez à custa da Pérsia e da Turquia.

 

Os Estados Unidos inibidos por sucessivas desfeitas no Afeganistão e no Iraque mostram-se às elites do poder em Teerão e Riade como aliados ou adversários equívocos, potencialmente letais em caso de recurso às armas, mas sem garra e espírito para guerras prolongadas.    

         

Sauditas e iranianos guerreiam-se no Iémen e na Síria, no Iraque e no Líbano, e tal como turcos e israelitas, debatem-se com as potenciais consequências de reintegração de Teerão nas redes económicas e financeiras globais caso vingue a primeira fase do acordo de contenção e desarmamento nuclear assinado com a ONU e as grandes potências. 

 

Opções sauditas

 

A desintegração do poder do Estado na Síria e a partilha de facto do Iraque entre xiitas e curdos, em detrimento de sunitas e turcomenos, bem como a virulência do jihadismo sunita contra a Casa de Saud, o xiismo, apóstatas, crentes não-muçulmanos e ateus, criaram constrangimentos inesperados em Riade.

 

A entronização de Salman bin Abdulaziz em Janeiro de 2015 e a designação de Muhammad bin Nayef como príncipe herdeiro levaram à adopção de atitudes de confronto aberto com o Irão, designadamente a intervenção no Iémen contra os houthis.

 

A recusa de cortes na produção de petróleo, arcando com quebras de preços, numa estratégia de consolidação e ampliação de quota de mercado tentando arruinar concorrentes com custos mais elevados de extracção (caso das explorações norte-americanas de xisto betuminoso), obriga os sauditas a cortes orçamentais, mas prejudica fortemente o Irão.

 

Plano de batalha

 

As contingências da aplicação destas estratégias, sem porem em causa o apoio a facções jihadistas sunitas na Síria ou ao regime militar egípcio, ameaçam o pacto interno de anuência ao regime saudita e propiciam atitudes de força para intimidar dissidentes e a minoria xiita.

 

A decapitação do clérigo al Nimr deu pretexto no Irão aos radicais opositores de maiores cedências na soberania em prejuízo de um programa militar nuclear para subirem a parada com recurso ao tradicional ataque a instalações diplomáticas a um mês das eleições parlamentares.     

  

 

Acoitadas e alucinadas pelas legitimações religiosas das suas causas, as facções mais belicistas optaram pelo braço-de-ferro tornando difíceis compromissos e concessões.

 

Jornalista

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