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19 de Julho de 2016 às 19:38

A síndrome de Nice

A exposição prolongada a propaganda, imagens e actos de violência pode levar algumas pessoas psicologicamente perturbadas a desencadear acções imitativas de atentados terroristas e o assassino de Nice aparenta ser o último exemplo desta síndrome.

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Em Lahouaiej-Bouhlel transtornos psiquiátricos, disputas e rupturas familiares, vivência boémia, bissexual e promíscua em meios sociais desqualificados de Nice marcados por crescente conservadorismo religioso e jihadismo, levaram o emigrante tunisino a assumir repentinamente o papel de matador metódico e psicótico. 

 

A omnipresente predicação jihadista, sobretudo por via da internet, o fluxo incessante de imagens de guerra e atrocidades terroristas, terão influenciado fortemente o desfecho do conflito de múltiplas identidades e papéis de Lahouaiej-Bouhlel.

 

Tal como o culto de Stendhal pela arte sublime provocou ao escritor forte comoção ao contemplar a magnificência da Basílica de Santa Cruz, em Florença, noutro pólo degradado de síndromes muito reais a avalanche de propaganda da barbárie terrorista chega a gerar delírios de violência extrema.

 

Chamemos a esta violência mimética do terrorismo religioso apocalíptico e indiscriminado a síndrome de Nice.   

 

O terrorismo imposto por autoridades estabelecidas ou opositores a poderes instituídos é uma táctica intimidatória capaz de servir as mais diversas estratégias políticas ou religiosas.

 

Consoante conjunturas e conflitos variam a mobilização e tipos de violência que podem ir do assassínio exemplar de figuras tidas por opressoras em apelo à revolta a ataques indiscriminados contra civis.

 

Os atentados suicidas de militantes nacionalistas tamil no conflito do Sri Lanka, o assassínio pelos carbonários Manuel Buíça e Alfredo Costa de D. Carlos e do príncipe Luís Filipe pouco têm em comum com a chacina de Anders Breivik em Utoya, alimentada por desvarios de extrema-direita racista, ou as chachinas de xiitas por parte do Califado Negro de al Baghdadi.

 

Ainda que o monopólio da violência do estado ou doutras instituições seja sempre posto em causa nestas acções terroristas, os perfis dos agentes estão condicionados por matrizes ideológicas. 

 

Gravilo Princip, o matador de Sarajevo em 1914, é produto do nacionalismo sérvio, Menachem Begin e o "Irgun" derivam do sionismo, Renato Curcio, fundador das "Brigadas Vermelhas", vicejou na extrema-esquerda italiana, Ossama bin Laden radicalizou a vertente jihadista do wahabismo.

 

A adesão, o recrutamento, dependendo da oscilação entre universalismo e exclusivismo da causa, tenderá a predominar entre determinadas grupos étnicos, religiosos e classes, independentemente do apelo transversal que possa exercer sobre indivíduos estranhos aos meios de origem do movimento.

 

Muitos actos de sociopatas, de assassinos em série e de assassinos em massa, pelos mais diversos motivos, incluindo, ainda, suicídios acarretando mortes alheias - caso do despenhamento do avião da "Germanwings" provocado pelo co-piloto Andreas Lubitz em 2015 - tendem, contudo, a confundir-se com actos terroristas.

 

O jihadismo sunita foi apenas um dos muitos factores a motivar os irmãos Tsarnaev, de ascendência avar e tchetchena, no ataque em Boston, em 2013, surgiu como justificação fruste para o massacre de Omar Mateen num clube gay em Orlando e no caso de Lahouaiej-Bouhlel à violência falta qualquer consistência ideológica.

 

Este mimetismo é uma autêntica síndrome capaz de gerrar atrocidades e amplifica o temor público para maior confusão do debate político, complicando ainda mais a prevenção e combate ao terrorismo jihdista.

 

Jornalista

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