Opinião
A guerra na frente Leste
Travar avanços que possam levar os separatistas a alargar os seus domínios no litoral do mar de Azov, ligando a anexada península da Crimeia à Rússia, deveria ser o principal objectivo estratégico militar imediato de Kiev na perspectiva da NATO e da UE.
As forças governamentais e milícias ucranianas não têm capacidade para recuperar as áreas perdidas nas regiões de Lugansk e Donetsk.
Uma declaração formal de guerra por parte de Kiev na sequência do envio de material militar ocidental apenas propiciaria uma investida de Moscovo impossível de conter numa altura em que Putin já disponibiliza equipamento de última geração como os sistemas de lança-foguetes incendiários TOS-1 aos rebeldes apoiados por forças regulares russas.
A curto e médio prazo é do interesse ocidental - e da própria Ucrânia - o presidente Petro Poroshenko aceitar nova trégua e a criação de uma zona desmilitarizada, cedendo aos separatistas o controlo parcial da bacia do Donbass para negociar posteriormente o estatuto constitucional das regiões do Leste.
A ameaça de colapso
A estabilização financeira é incontornável para evitar o colapso económico e é positivo que o FMI esteja disposto a prolongar até quatro anos o apoio de 17 mil milhões de dólares acordado em 2014.
Kiev já recebeu 4,2 mil milhões usd do FMI, mas dispõe de escassos 6,4 mil milhões usd em reservas cobrindo somente cinco semanas de importações, e necessita de mais 15 mil milhões usd para escapar à bancarrota.
Um empréstimo de 3 mil milhões usd devido a Moscovo e a pagamento em Dezembro terá de ser coberto com outras ajudas entre as quais se contam 2,1 mil milhões usd prometidos pela UE e 2 mil milhões usd por Washington.
A queda do PIB - 7,5% em 2014 na estimativa do Banco Central de Kiev que registou uma inflação anual de 25% - continuará em 2015, quedando sem avançar o desmantelamento de monopólios e o combate à corrupção institucional e económica.
A opinião pública ucraniana aspira, em primeiro lugar, ao fim da guerra e dá prioridade à melhoria das condições de vida e ao combate à corrupção, segundo o "Centro Razumkov", o principal e mais fidedigno instituto de inquéritos sociológicos do país.
Uma estratégia ocidental de médio e longo prazo para consolidação de instituições democráticas e garantia da soberania do estado ucraniano implica obrigatoriamente apoiar iniciativas no sentido de boas práticas administrativas, sustentabilidade económica e melhoria dos níveis de vida da população.
Conter e esperar
A NATO e a UE não têm interesse e vantagem em incentivar um confronto militar no Leste e Sul da Ucrânia.
Putin prossegue uma estratégia de desestabilização, visando capacidade acrescida de projecção de força no Mar Negro e neutralização de projectos de integração da Ucrânia na UE e NATO.
Vastas áreas de Lugansk e Donetsk quedarão sob controlo moscovito, à imagem do que sucede desde os anos 90 na Transdnístria, e a anexação da Crimeia, com a subjugação da minoria tártara (12% da população da península), não será reversível no futuro próximo.
Tal será o preço a pagar de momento no conflito com a Rússia putinista, alheia a valores fundamentais da democracia e princípios de relacionamento pacífico entre estados soberanos.
É um compasso de espera necessário para promover a capacidade de defesa, sustentabilidade económica e consensos políticos internos em Kiev para futura negociação com Moscovo.
O eventual fornecimento de informações, treino de pessoal e disponibilização de equipamentos militares a Kiev, terá de aguardar por melhor oportunidade e ser condicionado a pressupostos políticos de democratização e não discriminação étnico-religiosa-linguística.
Alargamento de sanções económico-financeiras a Moscovo e concretização de uma presença militar permanente e significativa da NATO no Leste europeu e no Báltico para travar veleidades de subversão é o outro pilar estratégico inadiável.
Apertar a tarracha
O nível de hostilidade anti-ocidental na Rússia atinge níveis inauditos desde a derrocada comunista e o teor xenófobo da propaganda governamental, monopolizando os principais meios de comunicação social, acentua-se.
Uma sondagem realizada no final de Janeiro pelo "Centro Levada" de Moscovo assinalava "atitude negativa" ou "muito negativa" em relação à UE de 61% dos inquiridos, enquanto 64% respondiam de idêntico modo quanto aos Estados Unidos, percentagem por sinal idêntica face à registada no respeitante à Ucrânia.
A desconfiança em relação à Rússia a Ocidente é, por sua vez, patente no inquérito das "Transatlantic Trends" de 2014 que constata existir apenas na Grécia uma maioria (52%) favorável a uma "forte liderança russa em questões internacionais".
Dois mundos estão em confronto e obviar a uma escalada militar aumentando a pressão financeira e económica sobre a Rússia putinista é, presentemente, a estratégia recomendável.
Jornalista