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17 de Novembro de 2015 às 20:25

A guerra ao virar da esquina

Punir e aterrorizar os infiéis para os atrair ao combate no terreno, galvanizando, assim, os crentes sunitas contra os novos cruzados na guerra santa sob a bandeira do Califado Negro é o objectivo da vaga terrorista dos jihadistas de al-Baghdadi   visando a Europa Ocidental e os Estados Unidos.

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A opção por operações terroristas praticamente simultâneas em Beirute (duas explosões suicidas em bairro xiita controlado pelo Hizballah aliado de Bashar al-Assad) e Paris, além do atentado contra o voo da companhia russa Metrojet em Sharm el-Sheikh, indiciam uma vertente nova na estratégia do Califado.

 

Tácticas terroristas e de guerrilha precederam e acompanharam as ofensivas contra xiitas e minorias étnico-religiosas no Iraque e na Síria que levaram à proclamação do Califado no Verão de 2014.

 

Ataques pontuais em França, Bélgica, Turquia, Egipto, Kuwait, massacres na Tunísia ou na Nigéria por parte de indivíduos ou grupos inspirados ou nominalmente submissos à autoridade de al-Baghdadi, a par de atentados no Líbano de militantes da Frente al Nusra ou das Brigadas Abdallah Azzam, vinculados à Al-Qaeda, constam, também, do cadastro jihadista recente.

 

Massacrar em boa ordem

 

Em Paris, os ataques seguiram o padrão de tomada de reféns e massacre (Escola Pública Militar, Peshawar, Dezembro 2014, Tehrik i Taliban; Centro Comercial Westgate, Nairobi, Setembro 2013, al Shabaad; Hospital de Budionovski, 1995, Teatro Dubrovka, Moscovo, 2002, Escola de Beslan, 2004, por militantes tchetchenos)  revisto e ampliado à escala da operação militar da Lashkar i Taiba que deixou Bombaim a ferro e fogo durante quatro dias em Novembro de 2008.

 

O treino e a infra-estrutura de apoio dos terroristas em Paris indicam que, na esteira da Al-Qaeda, o Califado conta agora com a mobilização de jihadistas oriundos de comunidades muçulmanas na Europa Ocidental, maioritariamente sunitas, geradas pela descolonização e importação de mão-de-obra indiferenciada.

 

A mobilização para combate na Mesopotâmia abarca, igualmente, muçulmanos de cidadania russa e decorre a par da criação de células capazes de atacarem directamente alvos na Europa, Rússia, Estados Unidos e Austrália.         

                        

O islão, como outras religiões, possibilita derivas exclusivistas passíveis de justificar o extermínio de infiéis e é marca de identidade cultural.

 

Ao ignorar distinções entre esferas políticas e da fé, o islão propicia conversões e enquistamentos intolerantes em ambientes de imigração significativa ou comunidades submetidas à tutela de infiéis.

 

A hostilidade face a comunidades secularizadas ou confessionais de matriz cristã, hindu, budista ou confuciana alimenta o jihadismo.

 

O apocalipse

 

O Califado é uma entidade estatal que controla cerca de dez milhões de pessoas num terço do Iraque e outro terço da Síria, centrado em Mosul e Raqqa, e as contingências recentes da guerra (perda de Sinjar para forças curdas cortando ligações entre frentes leste-oeste, reagrupamento e consolidação de posições dos alauítas na Síria graças a apoio iraniano e russo) não obliteram, antes reforçam, a veia apocalíptica de martírio.

 

É o quadro perfeito de desafio a potências infiéis para um combate derradeiro.      

 

A adesão de veteranos do partido Baath de Saddam Hussein potenciou a capacidade de manobra militar convencional, trouxe experiência administrativa e repressiva, e apurou estratégias de propaganda para atemorização de inimigos, culto de martírio, celebração da chacina de infiéis e apóstatas, submissão de cristãos e judeus, e escravização de pagãos.

 

A pilha de cadáveres

 

O caldo de violências que alimenta o Califado viceja nas guerras da Síria e Iraque onde convergem conflitos entre irredentismo curdo - anátema em Ancara, intolerável para Teerão, odioso em Bagdade - e o confronto de grupos étnico-religiosos (druzos, maronitas, gregos católicos e ortodoxos, turcomenos, alauítas, xiitas, alevis, sunitas, yezidis, entre os principais) alentado pela disputa entre estados sunitas.

 

Arábia Saudita, Qatar e Turquia apoiam grupos rivais dos Irmãos Muçulmanos a salafistas e jihadistas contra alauítas sírios e xiitas do Irão, Iraque, Líbano e Bahrein.

 

O confronto, alargado à frente de guerra entre xiitas houthis no Iémen e wahabitas sauditas, dá margem para muitos alinhamentos e realinhamentos de interesses, mas deixa também claro que a guerra e a diplomacia ainda vão acumular muitos cadáveres.

 

Paris fica apenas como uma das muitas frentes de combate que os jihadistas aspiram a multiplicar na Europa, tentando alcançar os Estados Unidos, capaz de gerar mortes e baixas políticas de vulto.

 

Jornalista

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