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02 de Setembro de 2014 às 19:00

A Europa em guerra

A credibilidade da maior parte dos governos europeus para convencer as suas opiniões públicas do bem fundado destas opções é, contudo, reduzida, prevalecendo egoísmos nacionais e corporativos e o justificado temor ante escaladas militares.

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As intervenções militares da NATO nos Balcãs, no Afeganistão e na Líbia ficaram muito aquém dos objectivos proclamados por indefinição política, estratégias inconsequentes sem visão de longo prazo, e a aliança tem agora pela frente a definição  urgente de políticas de contenção do expansionismo russo e do islamismo jihadista.

 

Após a queda do bloco soviético, a NATO passou de 16 para 28 membros num alargamento que ofereceu garantias de segurança a estados temerosos da instabilidade na Rússia e de um eventual retorno a actos agressivos ou hegemonistas por parte de Moscovo. 

 

A fragilidade russa nos convulsivos anos 90 propiciou esse alargamento e as negociações para evitar a emergência de novos estados dotados de armas nucleares na Europa, mas a consolidação do poder central encetada na década seguinte em Moscovo por Putin trouxe consigo o retorno à doutrina imperial das esferas de influência.

  

Garantir a superioridade naval e aérea no Mar Negro, preservar a base de Tartus, na Síria, para projecção de força no Mediterrâneo, alargar a presença no Ártico, impedir a abertura de bases militares da NATO nos antigos estados do Pacto de Varsóvia foram definidos como objectivos essenciais.

  

Retorno à Guerra Fria

 

A deriva autoritária em Moscovo, marcada por um nacionalismo xenófobo e a instrumentalização de valores religiosos ortodoxos contra a degeneração moral ocidental, reflectiu-se na tutela dos interesses de 25 milhões de russos no chamado "estrangeiro próximo" (em particular nos estados bálticos e no Cazaquistão) e na imposição de linhas de defesa que excluíssem a adesão da Ucrânia à NATO ou a entrada da aliança no Cáucaso.

 

A cooperação no combate ao jihadismo talibã no Afeganistão, evitando, no entanto, alianças indesejadas entre Washington e os estados da Ásia Central ou convergências para obviar à nuclearização militar do Irão não obstaram a que a Rússia putinista entrasse em rota de choque com a NATO.

 

A guerra do Verão de 2008 enterrou quais pretensões, animadas pela administração Bush, de eventual integração da Geórgia na NATO e na Ucrânia as acentuadas divisões políticas excluíam a adesão ao bloco militar.

 

Petro Poroshenko retoma agora o objectivo de entrada na NATO, mas seria um erro alimentar a ideia de integração de um Estado em situação de guerra de facto com a Rússia e mesmo o eventual fornecimento de informações e equipamentos militares terá de ser condicionado a pressupostos políticos de democratização e não discriminação étnico-religiosa-linguística que, presentemente, Kiev não tem condições para garantir. 

 

Em contrapartida, os aliados vêem-se obrigados a considerar uma presença militar permanente e significativa no Leste europeu e no Báltico para travar de imediato veleidades de subversão, sobretudo na Estónia e na Letónia onde as minorias russas representam mais de 25% da população.

 

Ao reforçar Szczecin, única estrutura de comando criada nos antigos estados do Pacto de Varsóvia, e formar uma brigada de intervenção rápida, a NATO dará possivelmente os primeiros passos para o "estacionamento permanente de forças substanciais" no Leste e no Báltico.

  

Moscovo tem como opção imediata retaliar mediante o reforço militar no enclave de Kaliningrad, adjacente à Lituânia e Polónia, nomeadamente através da instalação de mísseis balísticos "Iskander" com alcance máximo de 400 quilómetros.

  

As estruturas logísticas para suportar uma ou mais brigadas irão pôr em causa, muito provavelmente, o acordo de 1997 que limitava o posicionamento militar da NATO, mas, pelo menos a Polónia, Lituânia, Letónia, Estónia e Canadá tenderão a justificar a violação do espírito e/ou letra do compromisso pelas novas realidades no terreno.

  

Letra morta

 

Tratados, acordos-compromissos, como a interdição aceite por Moscovo e Washington em 1987 de mísseis balísticos e de cruzeiro com alcance entre 500 e 5.500 quilómetros, estão sob ameaça na sequência da violação do Tratado de Budapeste de 1994 em que a Rússia, a par da Grã-Bretanha e os EUA, se comprometeu, no âmbito da desnuclearização aceite por Kiev, a respeitar a independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia. 

 

A denúncia ou abandono em cadeia de compromissos do pós-Guerra Fria e a escalada na imposição de sanções económicas, comerciais e financeiras são consequência de acções hostis e atentórias dos princípios de relação pacífica entre estados desencadeadas por Putin.

 

A vendas dos porta-helicópteros "Mistral" por Paris, a negociação sobre planos de contingência face a eventuais cortes nos fornecimentos de gás, a articulação de sanções da UE, Estados Unidos, Canadá e Austrália, as dissensões sobre a possibilidade de excluir a Rússia do sistema de transferências monetárias SWIFT conforme sucedeu ao Irão em 2012, demonstram a dificuldade de formular políticas comuns.

  

A economia russa terá de absorver perdas pesadas, designadamente a quebra de investimentos agravada pela fuga de capitais que atingiu no primeiro semestre 80 mil milhões de dólares (os totais para 2013 e 2012 tinham-se cifrado em 59,7 mil milhões e 53,9 mil milhões), mas o regime aparenta reunir condições para, na ausência de oposições mobilizadoras, ultrapassar as dificuldades ainda que se possam acentuar divergências nas elites do poder.

 

As consequências negativas da imposição de sanções e contra-sanções para as economias europeias e do aumento das contribuições militares (como no caso de Portugal cujas despesas do sector da defesa representavam 1,2% do PIB em 2013) terão de ser assumidas como custo de segurança.

 

Morrer por Danzig

 

A credibilidade da maior parte dos governos europeus para convencer as suas opiniões públicas do bem fundado destas opções é, contudo, reduzida, prevalecendo egoísmos nacionais e corporativos e o justificado temor ante escaladas militares.

  

À imagem do ocorrido em 1939, poucos estão dispostos a "morrer por Danzig" e muitos tentarão apaziguar o inimigo até as bombas começarem a cair.      

  

Dos ataques cibernéticos à sabotagem económica, passando pelo financiamento, municionamento e apoio militar clandestino a grupos armados insurrectos ou organizações terroristas, muitos são os expedientes para subverter um Estado sem declaração formal de guerra e Moscovo, tal como outras potências, recorre despudoradamente a toda a gama de tácticas.

  

Apesar da persistência da insurreição jihadista no Norte do Cáucaso, em especial no Daguestão e na Kabardino-Balkaria, Moscovo tem seguido nos últimos 15 anos uma estratégia de consolidação de zonas de influência e domínios informais (caso da Transdnístria na Moldávia ou da presença no Tadjiquistão) que frequentemente contesta a soberania e integridade de estados vizinhos.

  

Em casos-limite, como acontece na Ucrânia, a política de grande potência chega à invasão e anexação territorial.

  

Ante uma potência hostil, há um preço a pagar e esse princípio tanto vale para enfrentar a Rússia como as vagas jihadistas. 

      

Jornalista

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