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20 de Janeiro de 2016 às 00:01

A China democrática

A subversão das regras de direito democrático em Hong Kong e o persistente autoritarismo do regime comunista contribuíram para a afirmação política soberanista nas eleições presidenciais e legislativas em Taiwan.

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A estratégia de aumento da cooperação e intercâmbio económicos com Pequim seguida pelo presidente Ma Ying Jeou e o Guomindang foram, ainda, rejeitadas por temores crescentes quanto à possibilidade de investimentos de empresas da República Popular, sobretudo em sectores de ponta como a electrónica, virem a condicionar desmesuradamente a economia local. 

 

A forte quebra anual de 12,3 % nas exportações para o continente, que absorve cerca de 40% das vendas ao exterior, levou, entretanto, Taiwan a entrar em recessão no terceiro trimestre de 2015 numa conjuntura de estagnação dos rendimentos do trabalho, alta dos preços imobiliários e aumento do desemprego juvenil, rondando os 13% comparado com a média nacional de 4%.  

 

Os dois mandatos de Ma, selados por um encontro com o líder comunista Xi Jinping em Singapura, em Novembro do ano passado, após a assinatura de 23 acordos de cooperação desde 2008, acabaram numa derrota ignominiosa para os nacionalistas.

 

Primeira presidente com maioria parlamentar 

 

Tsai Ing Wen foi eleita Presidente e o seu Partido Democrático Progressista (PDP) conseguiu pela primeira vez uma maioria absoluta no Parlamento nas votações que mobilizaram 66% dos 12,45 milhões de recenseados.

 

A participação foi a mais baixa desde a eleição presidencial de 1996, mas registou-se forte comparência de votantes com menos de 30 anos em prejuízo do eleitorado nacionalista e conservador.

 

A primeira mulher a chegar à Presidência obteve 56% dos sufrágios contra 31% de Eric Chu do Guomindang e 13% de James Soong, um centrista favorável à unificação com a RPC.

 

No Parlamento, o PDP arrebatou 68 dos 113 mandatos em disputa e os nacionalistas quedaram-se por 35 deputados perdendo de forma inédita o controlo da assembleia legislativa.

 

A maioria de dois terços para revisões constitucionais ou a convocação de referendos não está, contudo, ao alcance de independentistas mesmo com a eleição de cinco deputados pelo Novo Partido do Poder saído das manifestações maioritariamente estudantis de 2014 contra os acordos entre Taipé e Pequim.

Até tomar posse a 20 de Maio, a Presidente Tsai não poderá nomear um Executivo de sua confiança, sujeito a ratificação do novo Parlamento que entra em funções a 1 de Fevereiro.

 

O primeiro-ministro, Mao Chi Kuo, demitiu-se, foi substituído pelo vice-primeiro-ministro, Simon Chang, e os restantes membros do Executivo nacionalista irão limitar-se a funções de mera gestão corrente, mas durante este compasso de espera Tsai terá de enunciar claramente a sua estratégia ante Pequim.

 

Sem agitar o barco

 

Tsai, de ascendência Hakka e contando entre os antepassados uma avó de um dos grupos aborígenes da ilha, sempre se manifestou contra a ficção da China una e indivisível, reconhecida pelo acordo entre Pequim e Taipé de 1992.

 

Jurista, com formação nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, Tsai advogou a independência da chamada República da China, reclamando a continuidade do regime republicano proclamado em 1911, mas na campanha eleitoral surgiu como defensora do que definiu como "'status quo' de paz e estabilidade no estreito da Formosa".    

 

A ilha, colónia japonesa entre 1885 e 1945, reduto nacionalista de Chang Kai Shek após o triunfo comunista no continente em 1949, iniciou um processo de democratização a partir de 1988, sob a Presidência de Lee Teng Hui, tendo eleito o primeiro chefe de Estado independentista, Chen Shui Bian, em 2000.

 

Os oito anos de Presidência do DPP ficaram marcados por alta conflitualidade com a RPC, culminando na adopção por Pequim em 2005 de legislação consagrando a intervenção militar contra a ilha em caso de declaração de independência.

 

A identidade nacional

 

Expulsa da ONU em 1971, reconhecida apenas por 22 estados, resguardada pelo pacto de defesa com Washington de 1979 (contraponto ao estabelecimento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a RPC), Taiwan oferece estreitíssima margem de manobra a veleidades independentistas.

 

O sentido de identidade taiwanesa reforçou-se, no entanto, à medida que o princípio "Um país, dois sistemas" em que assenta a autonomia por 50 anos das regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau se revelou ambíguo e susceptível abuso por parte de Pequim.

 

O último inquérito sobre identidade e pertença, realizado no Verão do ano passado pela Universidade Nacional Chengchi (Taipé), recenseou 59% dos inquiridos a autodenominarem-se taiwaneses e não chineses, contra apenas 3,3% identificando-se como exclusivamente chineses.

 

No estudo 33,7% dos inquiridos admitiram partilhar dupla identidade como taiwaneses e chineses.    

 

A afirmação identitária de Taiwan, reforçada pela oposição entre o sistema democrático da ilha e o regime comunista do continente, é cada vez mais acentuada entre os nascidos a partir da década de 1980, esbatendo-se a diferença entre naturais do continente e nativos da ilha.

 

A grande divergência

 

A presidente Tsai pretende reduzir a dependência comercial e económica face à RPC diversificando relações com outros estados asiáticos e aderindo à Parceria Transpacífico que exclui Pequim, mas o levantamento de barreiras proteccionistas contradiz os interesses de grupos de interesses importantes, em especial na agricultura.

 

O intenso turismo da RPC com destino a Taiwan (mais de 4 milhões de visitantes por ano) é factor tão relevante quanto os investimentos da ilha canalizados para o continente, sendo intenso o fluxo de trocas no estreito da Formosa.

 

A soberania de Taiwan, entendida como a manutenção de um regime político e económico autónomo, é um facto, mas a sua subsistência surge como uma incógnita em que os condicionalismos e impasses na China comunista contam tanto ou mais do que os acertos e desacertos partidários na ilha que os portugueses baptizaram Formosa.

 

Jornalista

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