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07 de Fevereiro de 2017 às 21:05

A corrupção lá longe

As maiores manifestações antigovernamentais em Bucareste desde a queda de Nicolae Ceausescu no final de 1989 não sustentam de momento alternativas políticas, mas revelam a exasperação de significativa parte da população romena ante a desfaçatez de políticos corruptos.

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Os protestos começaram após o executivo de Sorin Grindenau, uma coligação dominada pelo Partido Social Democrata (PSD) que agrega a Aliança de Liberais e Democratas (ALD), ter aprovado a 31 de Janeiro um decreto-lei descriminalizando actos de abuso de poder envolvendo somas inferiores a 200 mil lei (44 mil euros num país onde o salário mínimo atinge os 276 €).    

 

A iniciativa do Governo, em funções desde 4 de Janeiro, ia a par de uma amnistia para 2.700 presos a cumprirem penas inferiores a cinco anos, sendo de notar que cerca de 2.000 destes detidos foram condenados por actos de abuso de poder, designadamente corrupção activa e passiva, nepotismo e fraude.

 

Apresentada como acto legislativo consentâneo com as exigências da UE, que desde a adesão de Bucareste em 2007 monitoriza o sistema judicial romeno, a iniciativa governamental foi vista, sobretudo nos centros urbanos mais politizados, como uma maquinação orquestrada por Liviu Dragne, antigo líder do PSD e actual presidente da Câmara dos Deputados.  

 

Dragne foi condenado em Abril de 2016 a dois anos de pena suspensa por fraude eleitoral, o que o impede de assumir funções governativas, e é tido como a alma danada que levou Grindenau à chefia do executivo e à aliança com a ALD.

 

Apostando numa política de alívio da carga fiscal e aumento de salários e pensões, o PSD obteve nas eleições legislativas de Dezembro 45% dos sufrágios, contra 20% do Partido Nacional Liberal (PNL) do Presidente Klaus Iohannis, em funções desde Dezembro de 2014.

 

Dragne, controlando o PSD, saiu vitorioso em Dezembro, deixando para trás a imagem negativa provocada pela demissão do governo do seu rival social-democrata Victor Ponta.

 

Um incêndio em Outubro de 2015 num clube nocturno da capital que causou 64 mortes deixou a claro actos de incúria e corrupção administrativa que levaram Ponta a resignar ao cargo, seguindo-se dois executivos de transição.

 

Muito marcada pela influência de grupos de interesses, a política romena é reflexo de uma sociedade inelutavelmente manchada por actos e suspeitas generalizadas de corrupção, apesar dos esforços meritórios do Directório National Anticorrupção, dirigido pela procuradora Laura Kövesi.

 

O mais populoso país do Sudeste europeu surge no Índice de Corrupção 2016 da Transparência Internacional no 57.º lugar entre 176 estados (Portugal está em 29.º) e este transe já levou o procurador-geral Constatin Lazar a exigir que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre alegadas violações das leis vigentes e do princípio de separação de poderes.

 

O que advirá dos excessos de impudência e cinismo na política romena é uma incógnita, mas lá longe, como por cá, os moinhos de Deus moem devagar.

 

Jornalista

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