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Um processo orçamental confuso

A minha perplexidade, provocada por perguntas de amigos que se questionam sobre se é possível repor a progressão das carreiras na função pública, resulta de não perceber as intenções do Governo.

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Como interpretar o comportamento do Governo e dos seus apoiantes no processo orçamental de 2018?

O nosso país tornou-se difícil de compreender. Isso tem vantagens e inconvenientes. No caso de pessoas individuais, as mais interessantes são as difíceis de compreender. Mas se queremos amigos fiáveis, gostamos que sejam previsíveis. Os amigos divertidos são, porém, os mais agradáveis. E sabemos isso porque ficamos satisfeitos quando estamos no seu convívio.

 

A taxonomia de adjetivação das pessoas não é, porém, suficientemente satisfatória para adjetivar os governos.

 

A Comissão Europeia, na sua opinião de 22 de novembro, manifesta preocupação com a execução do Orçamento de 2017 e a proposta de Orçamento para 2018 (OE 18), dizendo que correm o risco de, em conjunto, não colocar o Estado português na trajetória para cumprir os objetivos de médio prazo para o défice, a dívida e a despesa pública. Recomendando que o OE 18 se conforme com o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

 

Compreender o Governo é assim um ato de confiança. Os apoiantes do Governo acreditam que somos bem governados porque a economia está a crescer e as metas orçamentais nominais para o défice, que há pouco tempo pareciam ser impossíveis de cumprir, estão a ser alcançadas. Acresce que se está a devolver rendimentos a funcionários públicos e pensionistas pelo que certamente essas decisões são boas para a economia e o défice.

 

Quem não confia no Governo, como é o meu caso, não compreende a lógica da política orçamental de um Executivo que estimula em simultâneo a ideia de que o problema das finanças públicas está resolvido, e a ideia de que só o atual Governo em funções o consegue resolver. E ficamos desmoralizados ao ver a forma como a coisa pública está a ser governada.

 

A minha perplexidade, provocada por perguntas de amigos que se questionam sobre se é possível repor a progressão das carreiras na função pública, resulta de não perceber as intenções do Governo. Não sei se o Governo quer mesmo repor as carreiras a todos os funcionários públicos porque isso é justo e o resto da economia vai conseguir financiar esse acréscimo permanente de despesa. Ou se, pelo contrário, acha que há um limite para o que a economia portuguesa consegue pagar em termos de salários na função pública, mas tem credibilidade junto dos sindicatos para os convencer de que esse limite é real, pelo menos em 2018 e 2019.

 

Inclino-me hoje para a ideia que a afinidade de objetivos em matérias orçamentais entre os apoiantes do Governo é muito grande. O Executivo quer gastar o máximo possível em despesas que sejam rendimentos das pessoas. Quer fazê-lo levando ao limite o cumprimento das regras orçamentais europeias. E vê mesmo com alguma satisfação as exigências públicas, eventualmente financeiramente inexequíveis, de alguns apoiantes. Isso permite apresentar a transferência significativa de recursos para consumo público como uma resposta moderada e equilibrada. Se definirmos "moderado" como a posição política mediana dos apoiantes do Governo.

 

A própria incapacidade de serem compreendidos pelos "outros" fortalece a confiança na qualidade das decisões do Governo e dos seus apoiantes. Os "outros" obviamente não compreendem o que está a acontecer em Portugal, dizem.

 

A comunhão de interesses estratégicos, em matéria orçamental, entre os vários partidos que apoiam o Governo é axiomática e manifesta-se no discurso público. Parecem ter uma ideia comum de equidade, justiça social, tributação e organização produtiva. E a forma como interpretam o seu sucesso político, económico e orçamental reforça a sua confiança doutrinária.

 

O processo orçamental confuso deste ano parece ser assim implicitamente propositado. E reforça a mundividência dos apoiantes do Governo. A ideia de que todos lutam até ao fim na defesa das suas bases de apoio. Mas que em nome da sobrevivência do Governo fazem cedências difíceis e responsáveis que tornam o atual Executivo singular e histórico. Os outros observam perplexos e com algum receio.

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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