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O homem-forte

Vendo o sucesso dos líderes políticos que são homens-fortes, muitos gestores empresariais intermédios ou de topo questionam-se naturalmente sobre se precisam de ser mais agressivos para serem mais bem-sucedidos, respeitados ou olhados como alternativa.

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O nosso tempo está a ser marcado pelo aparecimento de homens-fortes na política das democracias.

 

Para além dos danos diretos e morais que estes líderes estão a criar na sociedade há ainda efeitos indiretos bastante perniciosos.

 

Alguns gestores já têm uma tendência autoritária. E tendem a confundir a sua visão do mundo e da vida com o conhecimento dos homens e da sociedade. Alguns acreditam também que as métricas que usam para avaliar o desempenho das suas organizações são óbvias, inequívocas e incontroversas. Ignorando a enorme incerteza que existe em torno dos dados, mesmo aqueles que parecem objetivos e óbvios, como, por exemplo, as entradas de dinheiro na empresa.

 

Noutros casos confundem a missão das suas organizações com a razão de ser das suas vidas e dos seus colaboradores. Ignorando a semelhança entre a uniformização de valores e o totalitarismo. E os riscos de acentuar a dicotomia "nós-outros" quando marcamos as nossas diferenças culturais.

 

A tolerância era até muito recentemente aceite como uma das conquistas das relações internacionais no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. A intolerância, tal como se manifesta de forma crescente na sociedade - religiosa, identitária, ideológica -, entrou no discurso público dos líderes mais poderosos. Sim, também em Portugal, com a famosa frase "quem se mete com o PS leva," ou no prazer que alguns têm em "malhar na direita".

 

O uso da linguagem bélica e militar na política é preocupante. Quando o primeiro ministro britânico caracteriza com uma frequência excessiva uma determinada lei como "lei da rendição" está a estimular uma reação agressiva dos seus apoiantes. Criando uma falsa dicotomia, entre rendição e vitória, que é uma falácia lógica mesmo que seja comunicacionalmente persuasiva para a sua tribo. Em política, as palavras contam.

 

Vendo o sucesso dos líderes políticos que são homens-fortes, muitos gestores empresariais intermédios ou de topo questionam-se naturalmente sobre se precisam de ser mais agressivos para serem mais bem-sucedidos, respeitados ou olhados como alternativa.

 

Muitos executivos interrogam a sua consciência: "Devo tornar-me mais parecido com o Presidente americano para ser bem-sucedido?" A mera dúvida, mesmo que não seja verbalizada, já é um dano moral.

 

Para segundo plano deixam cair as ideias clássicas do que constitui um bom líder em muitas circunstâncias. O exemplo de integridade e eficácia. O respeito pela diferença e pelo multiculturalismo. A capacidade de falar para o todo da organização. A flexibilidade para reagir ao inesperado. A celeridade e a qualidade das decisões. A capacidade de construir os processos que fazem a organização funcionar.

 

E acima de tudo a importância do legado. O que deixa um líder para o futuro? Uma organização mais adaptada ao mundo? Colaboradores mais preparados para enfrentar desafios? Um exemplo de vida que outros, seguidores ou não, respeitam e admiram?

 

A liderança, na política ou nas empresas, deve ser pensada como um serviço aos outros. As perguntas mais importantes que cada líder deve fazer, portanto, são "Quem estou eu a servir?" e "Como o devo fazer?" Dificilmente a transformação num homem-forte será uma boa resposta a estas perguntas. 

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

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