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Brexit: o feitiço do tempo

Os britânicos estão a exportar o seu Feitiço do Tempo para o resto da Europa enredando-nos a todos num argumento cinematográfico de qualidade duvidosa. Para além da baixa verosimilhança.

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Já escrevi três ou quatro crónicas sobre o processo do Brexit. Mas o assunto não sai da agenda e continua a condicionar a política económica na Europa. E é uma das zonas de bloqueio da situação política internacional.

 

Na próxima semana haverá mais uma votação importante sobre o tema no Parlamento britânico. Em rigor haverá três votações. E se nada acontecer o Reino Unido sairá da União Europeia no dia 29 de março. Aquilo a que já chamei um Péssimo de Pareto numa crónica anterior.

 

No dia 12 de março (terça feira) o governo britânico colocará à votação o plano B do acordo de saída da União Europeia. Esse plano não é conhecido dos deputados ou do público. E desconfio que nem o Governo britânico o conheça. Tudo indica que será muito parecido com o Plano A, que foi rejeitado por mais de 200 votos no dia 15 de janeiro. Nada de substancial terá mudado no documento nos últimos dois meses. Feliz a comparação do líder trabalhista britânico que diz que os sucessivos discursos da primeira-ministra lhe fazem lembrar o Groundhog Day (O Feitiço do Tempo na versão portuguesa). Um filme de culto de 1993 em que o herói acorda sempre no mesmo dia, numa terreola remota, fria e desinteressante.

 

Quem lê a imprensa britânica fica convicto que o Governo tornará a perder a votação da próxima terça-feira e a versão B do acordo, ainda desconhecida dos parlamentares com direito a voto, será novamente rejeitada.

 

Entraremos depois em território ainda mais confuso. No dia seguinte, quarta-feira, o Parlamento votará se o Reino Unido sairá da União Europeia sem acordo no dia 29 de março. Curiosamente não se sabe de que lado da votação estarão o Governo e o Partido Conservador. Ou seja, se pedirão que se vote por uma saída sem acordo. Ou se rejeitam essa possibilidade. Se o bom senso vingar, tudo indica que o Parlamento britânico rejeitará a saída sem acordo.

 

Ficaremos então, juridicamente, em terra de ninguém. Por um lado, a lei britânica obriga a sair da União Europeia no dia 29 de março. Mas por outro lado não haverá maneira de implementar essa decisão já que não há nenhum acordo aprovado, mas a saída sem acordo também está rejeitada. O leitor ficou confuso? Eu também.

 

Chegámos assim a quinta-feira, 14 de março, mas poderia ser qualquer outro dia tal como no Feitiço do Tempo. Aqui haverá uma terceira votação para decidir o aparentemente óbvio, o adiamento da data de saída do Reino Unido da União Europeia. O governo, qual jogador de poker, não informa sobre a duração do adiamento. Diz apenas que será curto. Mas não sabemos se é um mês, três meses, um ano ou dois anos. Adicionalmente poderão ser propostas emendas pelos deputados à duração desse adiamento.

 

Tudo indica que o adiamento será aprovado, se nos fiarmos na imprensa britânica de referência. Mas a duração desse adiamento é uma grande incógnita.

 

Já agora os restantes 27 membros da União têm de dar a sua concordância unânime ao adiamento. O que certamente farão, mas contrariados, por falta de paciência com os britânicos.

 

A língua portuguesa não tem boas expressões para o atual estado da governação no Reino Unido, talvez a democracia mais antiga do mundo. Mas poderíamos dizer em inglês: "a funny way to ran a country" com que o "Economist" brindou, adequadamente diga-se, o governo português em 2000.

 

A ambiguidade jurídica no Reino Unido extravasa para a União Europeia. Por exemplo sobre a participação ou não dos eleitores britânicos nas eleições para o Parlamento Europeu em maio. Ou mesmo o número de deputados dos vários países caso venham a participar. Note-se que o Parlamento Europeu tem 751 deputados dos quais 73 britânicos. Mas a lista preliminar para o próximo só reduziu o número em 46 para 705.

 

Os britânicos estão a exportar o seu Feitiço do Tempo para o resto da Europa enredando-nos a todos num argumento cinematográfico de qualidade duvidosa. Para além da baixa verosimilhança.

 

Não seria mais simples ao Governo britânico reconhecer a sua impreparação para sair no dia 29 de março? E agir em conformidade. Revogando o seu pedido de saída ao abrigo do artigo 50 do Tratado de Lisboa da União Europeia. E só o tornando a invocar depois de devidamente preparado, como fazem os países bem governados.

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

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