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A eleição de 2020

Espero que o próximo Presidente americano seja Biden e que ele se preocupe a compreender as motivações de todos os americanos e não apenas os que votaram nele. Esse é aliás um princípio geral da boa governação que também deveríamos praticar em Portugal.

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Na eleição presidencial americana de 3 de novembro já se vota nalguns estados. E teremos de viver com as consequências das decisões dos eleitores americanos durante quatro anos.

Tenho dificuldade de descobrir algum ângulo positivo no mandato do atual Presidente. Mas depois de um certo esforço o melhor que consigo dizer é que foi praticamente inócuo. Qualquer que seja o tema: o muro com o México, a política de saúde, as relações com os parceiros da Nato e a União Europeia, os acordos comerciais com o México ou a China, o respeito pelo acordo de Paris, os temas de política internacional como a Síria, a Venezuela, a Rússia, o Irão, a Coreia do Norte ou Cuba, tudo ficou como estava ou pior.

O mandato foi, bem se viu, ruidoso e mediático. E deixou muitos homens e mulheres nos quatro cantos do mundo com ansiedade e dificuldades em dormir ou acordar. Outros apreciaram o espetáculo mediático, pelo seu caráter lúdico, provocatório e fora da caixa. E pelos laivos de coragem no confrontar da imprensa e do politicamente correto.

Quando os historiadores se debruçarem com independência e distância sobre o assunto, concluirão certamente que o perfil, a conduta, ou o contributo estarão num patamar diferente pela negativa face à generalidade dos demais Presidentes americanos.

Esta opinião parece-me quase incontroversa, mesmo entre os eleitores que irão votar nele. Compreender a motivação e as razões destes eleitores, que são também pessoas, é importante para entender a sociedade atual na América e no resto do mundo. A forma mais simples de a compreender é pelo medo e a rejeição que “o outro lado” inspira. Sendo que “o outro lado” é muitas vezes um tema apenas que se transfere para agenda mediática na forma de uma falsa dicotomia em torno de um assunto concreto. Por exemplo, a posição individual que cada um tem sobre temas raciais e a forma como estes migram para o debate público e a legislação.

Fazer previsões sobre o resultado das eleições é arriscado. Os “forecasters” mais cuidadosos apresentam as suas previsões na forma de probabilidades. Num dos sites que constrói modelos estatísticos de que gosto, a probabilidade de vitória de Biden está agora em 77%, e do atual Presidente em 23%. Para efeitos de comparação a roleta russa tem uma probabilidade de consequência fatal de 16%. Ou seja, o cenário de vitória do atual Presidente não pode ser excluído e isso é suficiente para preocupar o resto do mundo.

A ausência da liderança americana nos últimos quatro anos foi muito prejudicial ao tratamento das questões essenciais e comuns à humanidade. Mesmo no tema da pandemia da covid-19 uma administração americana normal seria o elo central que combinaria investigação, tratamento, mobilização de recursos e coordenação de políticas de saúde pública, tratamento individual, e meios de teste e diagnóstico. Esse padrão seria certamente observado e seguido pelos demais países do mundo que participariam certamente nesse esforço comum considerando todos os aspetos do problema incluindo o económico.

A inadequação do atual Presidente à sua função não resulta da sua perspetiva ideológica mais à esquerda ou mais conservadora, ou da sua opinião concreta sobre qualquer assunto pontual. Há claro está um problema de temperamento. Mas há acima de tudo, na minha opinião, um problema de caráter e valores. No caso do atual Presidente, eles manifestam-se na sua vida privada, na sua vida empresarial e no seu discurso público. E o problema não é cada um individualmente, mas o todo que o pacote representa. O caráter vingativo com que lida com os adversários reais ou inventados é perigoso no chefe supremo das forças armadas americanas.

A forma como procura a vitória sem princípios ou regras é igualmente perturbadora. Manifesta na ameaça de não respeitar os resultados eleitorais ou de continuar em funções mesmo que perca, porque na opinião dele não perdeu, viola um dos valores fundamentais da democracia que é a transferência do poder sem violência civil ou militar.

Há um risco real de o atual Presidente ser reeleito. Esse risco não é pequeno tendo em conta as necessidades do mundo e da América. Devemos tentar compreender as razões sociológicas que mantêm esse risco num patamar tão elevado, embora inferior a 50%.

Espero que o próximo Presidente americano seja Biden e que ele se preocupe a compreender as motivações de todos os americanos e não apenas os que votaram nele. Esse é aliás um princípio geral da boa governação que também deveríamos praticar em Portugal.

 

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