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Mulheres procuram-se...

Na Lei da Paridade de 2006, a pena pelo incumprimento era um corte na subvenção pública da campanha eleitoral, caso alguém desse por isso, enquanto neste momento, pelo menos no papel implica a rejeição de toda a lista. Ou seja a coisa fia mais fino.

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A sério, quando julgamos já ter visto tudo, Rui Rio comprova-nos que a nossa imaginação fica sempre muito aquém da realidade. Este fim de semana, no discurso de encerramento da 5.ª Academia de Formação Política para Mulheres do PSD, anunciou que quer muito dar destaque às mulheres, mas... não as consegue encontrar. Percebo o desespero, porque tomando como base o número de mais de 35 mil mandatos autárquicos, sem contar os suplentes, para obedecer à Lei da Paridade terá de desencantar em tempo recorde nada menos do que 14 mil mulheres para alinhar na brincadeira. Se tivermos em conta que o líder do PSD declarou que até ao momento só tem três (numa lista de 100) a tarefa afigura-se hercúlea.

E de quem é a culpa? Das mulheres, é claro, que não querem nada com a política e, menos ainda, com a atividade autárquica que, pelo contrário, exerce sobre os homens uma atração irresistível — o difícil é afastá-los dela. O que é uma pena, lamentou o líder do PSD, porque confessa ter a impressão de que as mulheres teriam grande sucesso na política já que, imagine-se, escolhem-na “porque lhes interessam determinados temas, e não para virem para aquelas guerras partidárias estéreis”. Ele há gente para tudo.

Ainda mal se calara, e já andava a D. Lina Lopes, coordenadora das Mulheres Sociais-Democratas, qual Padeira de Aljubarrota do século XXI, a colocar anúncios nas redes sociais apelando às correligionárias que se chegassem à frente. Pedia-lhes, por WhatsApp, que lhe enviassem CV, não sei se com fotografia de corpo inteiro, para que o fizesse chegar ao grande líder. Satisfeita, anunciou na segunda-feira, que em menos de nada obtivera 20 a 30 candidaturas, e com um currículo invejável.

Mas de onde vem este afã de empanturrar listas autárquicas com mulheres, dificuldade que os outros partidos também estarão a sentir, mas que têm a hipocrisia de calar? De uma lei, a Lei da Paridade, que em 2006 previa que as listas eleitorais (para o Parlamento ou autárquicas) passassem a ter uma representação mínima de pelo menos 33,3% do género em minoria, e que em 2019 subiu a parada para os 40%. Com uma dificuldade acrescida: na ordenação da lista não podem ser colocados consecutivamente mais de dois candidatos do mesmo sexo. Exigência que estragou tudo, porque arranjar nomes de mulheres para colocar lá no fundo da lista, em lugares não elegíveis, não tinha dificuldade nenhuma, porque para fazer número pode-se sempre contar com a esposa, as irmãs ou as primas.

A pergunta que se impõe é, então, mas afinal quem é que votou a alteração desta lei para os 40%, sendo que os partidos já não se conseguiam amanhar aos 33%? Pois o PS, o PSD (Rui Rio, himself), PAN, BE, Assunção Cristas e outros nove deputados do CDS, com os votos contra do CDS (que restava) e do PCP. Cheios de boas intenções ou com a demagogia ao rubro, o leitor que escolha a que preferir, confiando que depois logo se via.

Suspeito, sem ser jurista, que há uma explicação ainda mais relevante para esta nova demanda de exemplares do sexo feminino. É que na Lei da Paridade de 2006, a pena pelo incumprimento era um corte na subvenção pública da campanha eleitoral, caso alguém desse por isso, enquanto neste momento, pelo menos no papel implica a rejeição de toda a lista. Ou seja a coisa fia mais fino.

Não me admirava nada que nas próximas semanas as conservatórias se vissem atoladas de pedidos de alteração da menção do sexo e do nome próprio no registo civil. Ainda por cima - fui confirmar - é gratuito. Em alternativa a D. Lina poderá tentar alargar a base de recrutamento com recurso ao Tinder. Afinal a política não é a arte do encontro?

 

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