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Mais vale culpada do que frustrada

A culpa é universal entre as mães que trabalham fora de casa. Mas aquilo de que não têm consciência é que a alternativa à culpabilidade é a frustração, que tem efeitos secundários bem piores na vida dos filhos.

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Às vezes, temos mesmo de envelhecer para conseguir olhar para o passado com mais objetividade. Quando vejo uma mãe com três filhos num supermercado, pergunto-me como é que consegui sobreviver aqueles longos anos em que acumulei noites mal dormidas, birras, o levar e o buscar, as compras e o jantar, com uma vida profissional intensa. Francamente, não sei. Já repeti a experiência enquanto avó, e saí dela viva, mas foram só um ou dois dias, com data de chegada e de partida assinaladas. E é bom, mas não é fácil.

 

Por isso, quando vejo uma mãe com filhos, sorrio à heroína, um sorriso de empatia e encorajamento. Se calhar sempre o fiz, mas o que é novo é que, pela primeira vez, consigo pôr-me também no lugar dos filhos, tomando consciência de que ficar com as sobras de uma mãe exausta por uma profissão exigente não tem assim tanta graça.

 

Pois é, fugimos da culpa, mas se calhar não devíamos. Se calhar, não é tão má como a imaginamos, nem devemos desejar que desapareça. Serve de alarme, obrigando-nos a fazer listas de prioridades, quase diárias, com o objetivo de equilibrar os pratos da balança. Estimula a criatividade, por exemplo, quando nos leva a encontrarmos uma maneira engenhosa de compensar os nossos filhos depois de um "surto" de trabalho mais intenso, ou de compensar no escritório, pelo tempo em que estivemos física ou mentalmente com a cabeça mais em casa. É cansativo, mas o apaziguamento que objetivamente resulta deste esforço permite-nos ser melhores profissionais e melhores mães. Tenha a nossa vida margem para esta ginástica mas, mesmo se assim não for, é preferível encarar o problema de frente, e sobretudo em família, crianças incluídas, do que deixá-las a pensar que a nossa ausência resulta de uma escolha pessoal.

 

No meio disto há, no entanto, uma certeza que mantenho. Ganhamos todos quando uma mãe tem uma outra paixão para além do cuidado dos filhos. Alguma coisa só sua, a que se dedica com intensidade, e que é uma fonte de prazer, remunerada ou não. Ganham sobretudo os filhos, porque mil vezes uma mãe culpada, que até nos dá uma dose de mimo a mais à conta dos remorsos, do que uma mãe frustrada, que olha para nós e, secretamente, muito secretamente, nos acusa de a termos impedido de concretizar os seus projetos. Acredito que, por muito que esconda esse luto por ter abandonado um trabalho que a realiza, ou por não conseguir desenvolver um talento como sente que podia, ele está lá e inevitavelmente produz ressentimento. E não há nada que mais corroa as relações do que o ressentimento, mesmo quando sabemos que a outra parte "não fez de propósito", e que tudo aconteceu com o nosso consentimento.

 

Por isso, sim, ensanduichada entre a empatia pela mãe e a empatia pelos filhos, continuo a gostar de me cruzar com uma mãe exausta, mas de olhos a brilhar, que responde a emails de trabalho enquanto corta o bife no prato do mais novo, que rabuja demasiado por coisas demasiado pequenas, mas que fala aos filhos com um entusiasmo contagiante do seu dia a dia, transmitindo-lhes a certeza de que, lá fora, existe um mundo que vale a pena conhecer. 

 

Acredito que com mais pais envolvidos na vida dos filhos, e de tudo o que ter uma família implica, vou-me cruzar cada vez mais com estas mães. Boa! 

 

Jornalista

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