Opinião
Harvard Humility
Filha de médicos, única rapariga entre quatro rapazes, em casa ouviu sempre que as oportunidades eram iguais para todos, o que ia em contracorrente com o que se vivia na Irlanda dos anos 50.
Quando começamos a ficar velhos e a pensar que se calhar já demos o que tínhamos a dar, é uma inspiração conhecer pessoas ainda mais velhas do que nós que continuam furiosamente empenhadas em mudar o mundo antes de se despedirem dele definitivamente.
A semana passada assisti a um debate promovido pelos UWC - United World Colleges - que tinha como convidada especial a advogada Mary Robinson que, em 1990, se tornou na primeira mulher presidente da Irlanda e desempenhou um papel importante no processo de Paz na Irlanda do Norte. Foi depois alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e hoje, aos 77 anos, faz parte do The Elders, um grupo fundado por Nelson Mandela que reúne líderes "reformados" que querem contribuir com a sua sabedoria e independência para a resolução dos problemas mais graves da humanidade. E lidera uma fundação com o seu nome.
A dado momento da conversa uma aluna dos UWC, visivelmente uma adolescente com um futuro promissor, perguntou a Mary Robinson como se livrara - se é que se livrara! - do Síndrome do Impostor, daquela sensação de que a coisa correu bem até aqui, mas um dia vão descobrir que afinal não sou tão capaz, tão brilhante, tão eficiente como me julgam, ou seja, vão ver-me como sou, como me vejo ao espelho, cheia de imperfeições e constantemente a cometer erros. Arrebitei as orelhas. A resposta interessava-me mesmo.
Robinson sorriu e exclamou: "Nunca sofri disso. E até há pouco tempo nem sequer sabia que tal coisa existia" E com uma curta gargalhada confessou: "Estava defendida pela minha "Harvard Humility"". Passou a explicar. Filha de médicos, única rapariga entre quatro rapazes, em casa ouviu sempre que as oportunidades eram iguais para todos, o que ia em contracorrente com o que se vivia na Irlanda dos anos 50. Levou a recomendação a sério licenciou-se em Direito na Irlanda, e foi para Harvard fazer o doutoramento. Era o tempo da guerra do Vietname, de Martin Luther King e dos dois Kennedy´s, entretanto assassinados, e garante que tanto ela com os seus amigos, saíram da Faculdade seguros de que eram tão bons, mas mesmo tão bons, que seriam capazes de fazer a diferença. Não foram a correr em busca de lugares em Wall Street, como o CV lhes permitia, mas sim em Organizações Não Governamentais e na política. Ela regressou à Irlanda, pronta a lançar mãos à obra - "Nem pensei duas vezes quando, aos 25 anos, me candidatei ao Senado". Foi eleita.
Conta que foi o marido que cunhou o termo, ao vê-la atirar-se de cabeça para as provas mais difíceis, com a certeza de ter as competências necessárias para resolver os problemas, desde que acreditasse genuinamente na causa que defendia. É claro que a voz lhe tremia antes de falar em público e que nem sempre ganhou todos os casos, todas as eleições e todos os projetos em que se envolveu, mas genuinamente não encarou nenhum desses reveses como um falhanço pessoal, ou sinal de que era menos do que imaginava, ou podia menos do que queria. Viva a Harvard Humility, pensei eu. E a aluna jurou, logo ali, que para ela o síndrome do Impostor estava morto e enterrado.
Por curiosidade fiz um Google de Harvard + Humility, e nem de propósito, encontrei na Harvard Business Review um artigo obrigatório para empresários - "Level 5 Leadership: The Triumph of Humility and Fierce Resolve" (https://hbr.org/2001/01/level-5-leadership-the-triumph-of-humility-and-fierce-resolve-2). Como diz logo no lead, o texto é o relato de uma longa investigação destinada a perceber o que leva uma empresa a passar de boa para extraordinária. A conclusão é contraintuitiva, e até contracultura, mas "Os executivos com mais poder de transformação têm uma mistura paradoxal de humildade pessoal e vontade profissional, são tímidos, mas ferozes, discretos, mas sem medo de nada. São raros - e imparáveis."
Tenho a sorte de conhecer alguns. Junto-lhes agora Mary Robinson.