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22 de Janeiro de 2021 às 07:30

O regresso do amigo americano

Não estou no segredo dos deuses, mas posso crer que foi imensa a satisfação, nas Necessidades e em S. Bento, pela saída de cena de Trump. E, em Belém, não deve ter havido luto.

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Os Estados Unidos da América são um país amigo de Portugal. A nossa relação é muito assimétrica: para Portugal, a ligação transatlântica é um eixo central da nossa postura externa - o único que sobreviveu ao 25 de Abril. Para os Estados Unidos, Portugal tem uma escassa importância como aliado. Pelo meio, estão, claro, as Lajes, mas até aí as coisas são o que são: para Washington já não é um dossiê vital, para Lisboa é um tema com diversos impactos, em especial internos. Por isso, existe sempre a expetativa de que uma nova administração o venha a tratar de uma forma que leve em conta os interesses que temos por relevantes. As desilusões, neste domínio, costumam ser bastantes, vale a pena dizer.

Não estou no segredo dos deuses, mas posso crer que foi imensa a satisfação, nas Necessidades e em S. Bento, pela saída de cena de Trump. E, em Belém, não deve ter havido luto.

Para aquilo que é a aposta externa portuguesa, o multilateralismo é uma doutrina que Lisboa há muito cultiva. Ora Trump tinha enterrado essa via. Por isso, e porque a reeleição de Guterres é algo que agora também renasce com grande plausibilidade, a chegada de Biden é mais do que bem-vinda. Custa-me dizer isto com estas palavras, mas, para nós, é muito confortável ver um país amigo, com a importância dos Estados Unidos, chefiados por um homem decente.

A administração Biden, muito "graças" a Trump, criou grandes expetativas por todo o mundo. Muito provavelmente muito maiores do que aquelas que conseguirá concretizar. A América de Trump não é a mesma de Biden, mas é importante ter presente que muitos dos interesses americanos, que a este vai cumprir defender, são precisamente os mesmos que, de uma outra forma, Trump prosseguia. Por isso, para além do imenso mundo de mudanças que uma nova e contrastante administração acarretará, há "adquiridos" consagrados no último ciclo político que não serão deixados cair nos anos que aí vêm. E a área das relações externas é, muito provavelmente, aquela onde isso poderá ser mais sensível. Posso estar equivocado, mas o Médio Oriente é o terreno onde, provavelmente sob uma nova linguagem, a fórmula clássica de Lampedusa tem mais condições para ser aplicada.

A Europa sofreu um trauma profundo com Trump. A Alemanha, em especial, ficou muito marcada pelo descaso a que foi votada pelos EUA, nos últimos anos. Enquanto, num país como França, Macron pode ter tido ainda a ilusão fátua de que poderia ser singularizado como o interlocutor europeu - como único poder nuclear e com capacidade militar significativa, depois do Brexit -, na Alemanha, a atitude de Trump foi sentida como uma rutura com os EUA. Há a sensação de que, mesmo que Biden possa tentar recolar o que se partiu, nada será igual no futuro. A menos que um pós-Merkel nos possa trazer sinais diferentes. A pressão alemã para fechar, mesmo à pressa, o acordo económico europeu com a China, sabida a importância que ao assunto seria sempre dada pela futura administração Biden, parece revelar que a ferida é muito profunda.

Quando se acorda de um pesadelo, há uma sensação imediata de bem-estar. Depois, damo-nos conta de que, embora tudo podendo ser pior, como no pesadelo, afinal, no dia a dia, também temos de reduzir ou atenuar as nossas ambições, porque a vida é o que é e não aquilo para que os sonhos apontam. A América de Biden é, antes de tudo, a América. Mas, para já, os aliados dos EUA parece terem ganho um novo amigo americano. E isso, aconteça o que vier a acontecer, é uma excelente notícia!

 

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