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26 de Outubro de 2017 às 21:10

A arte de sobrevivência do Governo

É uma sensação de fim de era política aquela que se vive. Não admira que Constança Urbano de Sousa se tenha sentado, como deputada, na penúltima fila do hemiciclo parlamentar. E Jorge Gomes na última. A nova realidade requer outros nomes. E outra mestria política.

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Mike Tyson foi um dos mais fulminantes pugilistas de todos os tempos. Desde os tempos de infância que, no subúrbio degradado (as "inner cities" americanas) onde vivia, aprendeu a arte da sobrevivência. No ringue de boxe lutava como na rua: para se salvar. Não admira que a sua estratégia estivesse definida numa simples frase: "Todos temos um plano até levarmos um murro na boca". Portugal poderia aprender com Tyson. Ao longo de séculos levámos muitos murros na boca, fomos muitas vezes ao tapete, recuperámos e voltámos a lutar. Só houve uma estratégia para os portugueses: sobreviver, aqui ou noutras paragens. Esta terra sem grandes riquezas só foi um bom plano de vida para quem vivia das benesses do Estado.

 

Por isso nunca houve acumulação de capital. Mais do que se criar, dependia-se de interesses e favores recíprocos. Mesmo as grandes crises económicas, financeiras e políticas não mudaram isso. Em Portugal a táctica sempre substituiu a estratégia. É essa flexibilidade que sempre nos tem salvo. Não admira que, do Governo à leal oposição ou ao mais simples cidadão, à falta de desígnios nacionais, de uma cultura sólida e estratégica para o país, tudo seja sempre feito segundo o princípio da sobrevivência.

 

Depois de meses de boas notícias (e estas, como se sabe, são como os ciclos económicos e a montanha russa), o Governo levou um murro na boca: mais do que o incêndio de Pedrógão Grande foram aqueles que devastaram as regiões centro e norte em Outubro que destaparam toda a impreparação nacional para prever calamidades. E para as combater eficazmente. Seres humanos e animais (para já não falar da floresta) pagaram com a vida esta fragilidade portuguesa. Os que sobreviveram, pessoas e animais que vagueiam pelo que sobra do verde, buscam agora comida, conforto e uma esperança de vida.

 

Foi no meio de tudo isso que se fez uma mini-remodelação governativa (uma gota de água para o que António Costa vai ter de fazer até ao início do ano, para recuperar iniciativa política) e o CDS avançou com uma moção de censura ao Governo. Esta, que levou atrelado um PSD desorientado, não passou. A esquerda da maioria parlamentar, sempre mais interessada da "reposição de direitos" do que noutras coisas, deixou António Costa a defender-se sozinho. Ou seja, este foi o fim de uma era e o início, aos solavancos, de outra.

 

O estado de graça acabou para o Governo (e Marcelo Rebelo de Sousa mostrou isso mesmo). O OE vai deixar de ser só um maná para PCP e BE: terá de se preocupar com gastos que não podem ficar cativos para que o défice brilhe aos olhos de Bruxelas e das agências de "rating". E aí a fractura da maioria vai começar a acontecer. À direita, a oposição reposiciona-se. Assunção Cristas, forte pelo seu resultado eleitoral em Lisboa, quer ser a locomotiva da luta contra Costa. O PSD, em busca de um líder que lhe dê estabilidade, ainda terá de esperar uns meses para recuperar o elã perdido. É uma sensação de fim de era política aquela que se vive. Não admira que Constança Urbano de Sousa se tenha sentado, como deputada, na penúltima fila do hemiciclo parlamentar. E Jorge Gomes na última. A nova realidade requer outros nomes. E outra mestria política. 

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