Opinião
Vamos comer Caetano
Caetano Veloso olha para a câmara com um ar entre o sério, o divertido e o assustado. As suas palavras fluem de forma ponderada. A pergunta (que não ouvimos) deve ter sido se tem saudades da juventude.
Caetano diz: "É muito melhor quando você tem 24 anos do que 66. Do ponto de vista básico, primário. O seu corpo, a sua agilidade, a sua flexibilidade... Isso é melhor mesmo, você sente essa alegria sem pensar nela quando você é jovem. Depois quando não tem mais isso, com o envelhecimento, é coisa que dá para sentir saudades. Mas das outras coisas... não."
O depoimento aparece no documentário "Uma Noite em 67" (disponível inteirinho no YouTube, basta pesquisar o título). Como o tempo voa e o documentário foi lançado em 2010, o Caetano que fala já é uma voz do passado. Hoje, mais precisamente, ontem, dia 7 de Agosto, ele completou 75 anos.
Custa-me crer que Caetano já é quase um octogenário (mais do que admitir que sou um cinquentão). Para os da minha idade (ou mais novos) nunca houve um mundo sem Caetano. E isto é muito bom.
Que sorte tivemos em cruzar na linha do tempo com tal poeta, tal cantor. O que dizer de alguém que escreve: "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões/Gosto de ser e de estar/E quero me dedicar a criar confusões de prosódias/E uma profusão de paródias/Que encurtem dores/E furtem cores como camaleões/Gosto do Pessoa na pessoa/Da rosa no Rosa/E sei que a poesia está para a prosa/Assim como o amor está para a amizade/E quem há de negar que esta lhe é superior?"
E quem há de negar que ele é superior?
Infelizmente, há quem negue. Uma minoria, claro. Mas que cresce sempre que Caetano faz o que sempre fez: "Caetanadas."
Caetano gosta de estar no lugar errado, na hora errada. Gosta de ser do contra, gosta de não ser unânime (embora, coitado, quase o seja).
Foi assim quando disse que Bin Laden era um homem bonito e que se parecia com Cristo. Foi assim quando posou para uma foto com a cara vendada dando apoio aos protestantes mais violentos do Brasil. Ou quando fala de Lula: "Não posso deixar de votar em Marina Silva. É por demais forte, simbolicamente, para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro."
No manual de português em que aprendi a ler e a escrever, já constavam poemas de Caetano. Lembro perfeitamente do dia em que juntei várias letras e sílabas para descobrir a beleza que é "Alegria, Alegria": "Caminhando contra o vento/Sem lenço e sem documento/No sol de quase dezembro/Eu vou/O sol se reparte em crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em cardinales bonitas/Eu vou."
Eu vou. Nós vamos, parafrasear Djavan a parafrasear Caetano, "caetanear" o que há de bom.
Ou como diria o meu Tio Olavo, a cantar uma canção de Adriana Calcanhoto: "Vamos comer Caetano/Vamos desfrutá-lo/Vamos comer Caetano/Vamos começá-lo/Vamos comer Caetano/Vamos devorá-lo/Degluti-lo, mastigá-lo/Vamos lamber a língua."
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico