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09 de Janeiro de 2018 às 20:01

Os idiotas e os vilões

Na grande narrativa do século XX, as tabaqueiras ocuparam um lugar de destaque enquanto vilãs. Foram o Darth Vader da publicidade, a Carminha das marcas, o Adamastor do marketing. Duvido muito que tenham, sem mais nem menos, ficado boazinhas.

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Nunca pensei. Quem diria. Vivi para ver uma grande companhia tabaqueira renegar publicamente o seu principal produto: o cigarro.

 

Foi isto que a Philip Morris fez na semana passada em Inglaterra.

 

Publicou um anúncio a dizer que uma das suas resoluções de ano novo era, justamente, nas suas palavras: "Give up cigarretes."

 

Incrível. Inacreditável. Inimaginável. Mas não só é verdade como, pelos vistos, não causou nenhum grande abalo no movimento de rotação da Terra.

 

O anúncio explica (sem justificar muito) o porquê dessa sensata decisão. É possível ler: "No Reino Unido, há 7,6 milhões de adultos que fumam. A melhor coisa que eles deveriam fazer era largar o cigarro."

 

Em nenhum momento a Philip Morris diz que o cigarro mata. Eles não enlouqueceram, apenas estão a mudar de vida. Aliás, o próprio anúncio refere que eles estão a investir muito dinheiro (falam em 2,5 mil milhões de libras) no desenvolvimento de produtos alternativos.

 

No fundo, o caminho para os dispensadores electrónicos de nicotina (e outros químicos) não tem mais retorno.

 

O gesto da Philip Morris sabe-me a pouco. Sequer estou convencido de que o que eles propõem não seja uma calamidade no que toca à saúde pública tão má ou pior quanto eram os velhos cigarros movidos a isqueiros.

 

Amigos meus morreram por terem sido fumadores. Outros, infelizmente, caminham para o mesmo destino. Eu fumei regularmente durante 20 anos. Sei lá que danos tal coisa provocou ao meu corpo. Você mesmo que está a ler este texto poderá morrer numa consequência direta ao uso do tabaco.

 

Ou seja, estamos a falar de algo muito sério.

 

Ao usar o tipo de publicidade que fez como ferramenta de comunicação para dar visibilidade à sua mudança de rumo, a Philip Morris comete um equívoco.

 

Não creio que este seja um tema para gracinhas. Nem vejo com bons olhos o contrabando de um argumento comercial ("os cigarros electrónicos são uma excelente alternativa") em meio ao racional usado. Soa a manipulação.

 

Na grande narrativa do século XX, as tabaqueiras ocuparam um lugar de destaque enquanto vilãs. Foram o Darth Vader da publicidade, a Carminha das marcas, o Adamastor do marketing. Duvido muito que tenham, sem mais nem menos, ficado boazinhas.

 

Queira ou não, a Philip Morris está mais para a Glenn Close (de "Atração Fatal") do que para a Júlia Roberts (de "Pretty Woman").

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Nunca vi um vilão que se achasse vilão. Nem um idiota que se soubesse idiota."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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