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21 de Maio de 2019 às 19:10

Meu tempo é quando

A beleza de "About Time" reside na tese apresentada por Tim: o nosso maior dom é o de viver a nossa própria vida; não há milagre maior do que abrir os olhos e perceber que estamos aqui; que não interessa consertar pequenos ou grandes dissabores, as imperfeições são o sal da vida.

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Vamos falar do tempo: o tempo de hoje, o tempo presente, vamos falar daquilo que os alemães chamam de "zeitgeist" e que nós podemos traduzir (mal) como o espírito do agora.

 

E o agora é claro, certeiro, definitivo: o tempo é a grande personagem do momento, o tema recorrente de boa parte da ficção que andamos a consumir. O tempo, ou mais precisamente, as viagens no tempo.

 

Duvida? Então vejamos. Sabe a saga dos 22 filmes da Marvel que tanto arrebatou o mundo nos últimos 12 anos, arrecadando mais 20 mil milhões de dólares? Pois é, na verdade não passava de um grande ensaio sobre as possibilidades abertas se explorarmos realidades alternativas no tempo.

 

É certo que as viagens temporais são um género em si próprio (podendo ser explorado como ficção científica, comédia, drama etc.) e um dos pontos altos da coisa já tem barbas. Foi em 1895 que H. G. Wells publicou "The Time Machine". No livro, como nos filmes extraídos dele, explorar o futuro era a parte mais interessante. De lá para cá muita coisa mudou.

 

Hoje não interessa tanto as viagens ao porvir. As distopias futurísticas perderam força, importância, graça. Já sabemos que são todas pessimistas. Acho mesmo que depois do "Blade Runner" original (lançado em 1982; como esses quase quarenta anos passaram rápido...) os universos distópicos futurísticos pararam no tempo.

 

O que interessa agora são as viagens que nos levam ao passado recente, ao ontem e anteontem, na tentativa de alterar o presente.

 

Sim, é o presente que importa. Esta é a lição que tiramos da ficção que mais anda a vender. Se pesquisar no Netflix verá que a safra atual é grande e está a expandir-se.

 

Temos a excelente série "Boneca Russa", uma espécie de "Dia da Marmota" com anabolizantes: acompanhamos uma mesma e repetitiva noite, que culmina recorrentemente na morte da atrapalhada protagonista.

 

No filme de culto de baixo orçamento "Arq" temos uma máquina que rebobina o tempo e cria um "loop" perpétuo de algumas horas, onde os personagens tentam corrigir o que deu errado na volta anterior, mas sempre se complicam.

 

Num registo mais positivo, há "About Time", uma agridoce comédia romântica, do mesmo guionista de "Quatro Casamentos e um Funeral". Aqui vemos a saga de Tim Lake, um jovem que insiste em apaixonar-se por raparigas acima da sua liga. Entretanto, Tim descobre ter poder de voltar no tempo. Mas só pode fazer isto na sua própria linha temporal, ou seja, ele só pode reviver e modificar as coisas do seu quotidiano.

 

A beleza de "About Time" reside na tese apresentada por Tim: o nosso maior dom é o de viver a nossa própria vida; não há milagre maior do que abrir os olhos e perceber que estamos aqui; que não interessa consertar pequenos ou grandes dissabores, as imperfeições são o sal da vida.

 

Não sei quanto tempo mais vai durar essa tendência de querermos histórias assim. Creio que tem algo que ver com o ponto de vista dos "millennials", com uma certa ansiedade, uma vontade dessa geração em ter uma vida perfeita, sem pontos baixos, plena de felicidade. Coisa que não existe, claro. Mas vá dizer a um millennial que não temos para oferecer algo que ele quer?

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, a citar Vinicius: "Outros que contem/Passo a passo: eu morro ontem/Nasço amanhã/Ando onde há espaço: meu tempo é quando."

 

Publicitário e Storyteller

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