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17 de Dezembro de 2019 às 18:43

Haja hoje para tanto ontem  

 "Haja hoje para tanto ontem", exclamou Paulo Leminski num poema. "Pois haja, pois haja", complementou o meu Tio Olavo, num mail que enviou-me esta semana, a lembrar que 2019 se acaba.

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O velho adora reminiscências e encontrou no baú dos meus escritos um que fala sobre o que devemos ou não reter nas narrativas das nossas vidas. Diz ele que o conteúdo é mais do que apropriado para encerrar este ano, nesta que é minha última crónica de 2019 neste jornal. O texto diz assim:

 

"Um dia, Zeus uniu-se a Mnemósine, a deusa grega da memória. Juntos tiveram nove filhas, conceberam as nove musas que estimulam os homens e protegem todas as artes dos perigos do esquecimento.

 

Desde então as musas são tidas e achadas para explicar obras geniais ou justificar fracassos artísticos. Penso nisso ao ouvir, no outro dia, no rádio de um táxi, determinada música que fez sentir-me inspirado.

 

Se fosse uma canção de Leonard Cohen, Lou Reed, Chico Buarque ou Jorge Palma, daria graças à minha musa pela inteligência e pelo bom gosto. Mas a minha musa deve estar lelé da cuca, porque saiu-me na rifa um tema de uma obscura dupla sertaneja brasileira chamada Fernando e Sorocaba.

 

Diz a música, após várias linhas numa poesia relativamente tosca a falar do fim de uma relação amorosa: "Tá duvidando, é?/Cuidado/Que eu te esqueço e você cai do cavalo/Tá se achando, é? Aproveita/Que um dia eu te esqueço na gaveta/Que um dia eu te esqueço na gaveta".

 

Posso ter enlouquecido, mas fiquei siderado com a metáfora de esquecer na gaveta os nossos desafetos, os nossos desamores.

 

Veja bem, não se trata de atirar pela janela quem nos dececiona, nem de atropelar quem nos incomoda. Esquecer na gaveta os desavindos, como se fossem peúgas velhas ou trocos de uma moeda fora de circulação, acaba por ser um castigo pior do que a morte.

 

Tratarei de esquecer na gaveta os políticos aldrabões, aqueles que não se lembram de pagar o que devem, os que corrompem e os que se deixam corromper, os deslumbrados pela fama, os sonsos, os malfeitores, os chico-espertos, os displicentes, os ingratos, os irritantes, os chatos, os maledicentes, os lambebotistas, os que azucrinam.

 

Na gaveta devem ficar os terraplanistas, os negacionistas das alterações climáticas, os adeptos de Trump, do Brexit, de Maduro, os odiadores de Greta e de todas as fações que mais atrapalham que ajudam a vivermos em paz no mesmo planeta, na mesma cidade, na mesma rua.

 

Todos estes não merecem um inferno de Dante, que isso é dar demasiada importância a gente tão complicada de cabeça. O destino de todos deve ser o melancólico convívio com traças, ácaros, mofos. Na gaveta. Esquecidos. Para sempre. Numa inspiração não de Pessoa, não de Drummond, não de Vinícius ou de Camões, mas sim de Fernando e Sorocaba".

 

Boas festas e boas entradas. Que seja feliz em 2020. Até porque, como diz o meu Tio: "Gente feliz não enche o saco".

 

Publicitário e Storyteller

 

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