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28 de Agosto de 2018 às 20:15

Deixem os millennials cantar

O público de há 30 anos não se sentia cliente dos artistas para os quais contribuía financeiramente comprando discos e bilhetes para apresentações. Não havia uma relação transacional tão clara de troca de serviços.

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Circo Voador é um circo que não é um circo (e que não voa, já agora). Trata-se de uma casa de espectáculos no centro do Rio de Janeiro já com algumas décadas de uso. Dedica-se a um público a que podemos chamar de alternativo.

 

Lá pelos idos dos anos 80, frequentava o Circo com alguma regularidade. Numa das minhas visitas, para assistir a uma apresentação da cantora Nana Caymmi, numa noite quente e enluarada, presenciei um evento insólito.

 

Era uma performance intimista. Nana e uns poucos músicos a acompanhar. A plateia prestava respeito, aplaudindo com fulgor sempre que possível, mas silenciosa todo o tempo restante. Menos uma jovem rapariga loira.

 

No começo da cada canção, enquanto a banda ainda dedilhava as introduções musicais, a rapariga, instalada na plateia superior, gritava. "Canta a 'Espanhola'! Canta a 'Espanhola'!"

 

"Espanhola" é uma canção do repertório de Nana. Uma boa canção, com refrão bonito e fácil de decorar. Talvez por ser uma escolha óbvia, Nana não parecia tencionar cantar a tal música. Sempre que a rapariga gritava, a diva revirava os olhos, dava de ombros e seguia em frente com o seu plano de show.

 

Isso durou umas oito ou dez músicas. "Canta a 'Espanhola'", insistia a loira. E não cantava a "Espanhola", insistia a Nara.

 

Até que a intérprete perdeu a paciência. "Não canto a 'Espanhola' coisa nenhuma! Isto aqui não é festa de casamento ou churrascaria. Canto o que eu acho que devo cantar. Não aceito pedidos da plateia. Quer um show particular? Fale com o meu empresário!"

 

A plateia aplaudiu intensamente a posição da artista. E ainda começou um coro de "Cala a boca, chata!" Em direção à jovem.

 

Corta para um post que leio sobre uma apresentação recente da cantora Ariana Grande. A estrela pop havia começado uma canção quando uma jovem na plateia grita para que Ariana pare e volte ao início pois não havia conseguido gravar com o seu smartphone desde o princípio.

 

Ariana prontamente atendeu o pedido. A audiência aplaudiu a atitude da artista. E fez elogios nas redes sociais.

 

As duas histórias são faces de uma mesma moeda que tem que ver com expectativas geracionais.

 

O público de há 30 anos não se sentia cliente dos artistas para os quais contribuía financeiramente comprando discos e bilhetes para apresentações. Não havia uma relação transacional tão clara de troca de serviços.

 

Já para os millennials e representantes da Geração Z a banda toda diferente. Há sim uma noção hierárquica: fã manda em ídolo, até porque a primeira posição é sempre condicional ("sou fã de quem quero") e a segunda precária ("não gosto da tua atitude, vou dedicar-me a outro artista, quero que morras!").   

Há um abismo nas duas posições. Um abismo que se reflete em quase tudo e que limita muito o bom relacionamento entre jovens e velhos (onde me incluo).

 

Leio um artigo que avisa que em 2019 os membros da Geração Z serão maioria na população dos EUA. Mais cedo ou mais tarde o mesmo vai acontecer aqui. A vida em sociedade nunca mais vai ser a mesma (aliás, já não é).

 

Reclamar não serve de nada. O tempo não volta atrás. Resta-nos estarmos prontos para isto. E a Nana que se prepare para cantar muito a "Espanhola".

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O jovem não precisa de razões para viver. Qualquer pretexto basta".

 

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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