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O Orçamento do Estado e a espuma dos nossos dias

Nas últimas semanas, muito se têm debatido as fragilidades ou virtualidades do Orçamento do Estado (OE) para 2016, com a discussão focada nas quezílias em torno dos maiores ou menores aumentos de impostos, ou na "devolução" de anteriores "direitos adquiridos". 

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A proposta de OE representa um documento de risco, na sua versão inicial, suportado na crença da eficácia dos multiplicadores do consumo e de uma baixa propensão às importações por parte das categorias de agentes económicos beneficiadas pela "devolução" de rendimentos, mais tarde, transfigurado por uma errata que veio manter o peso da carga fiscal e encontrar na tributação indireta os recursos necessários.

 

O OE é um exercício fundamental e obrigatório para a gestão pública, mas é apenas uma peça da engrenagem que determina o percurso da economia, assumindo os fatores de ordem externa uma importância substancial, tanto mais relevante quando se assiste à conjugação de alguns fatores que condicionarão o desempenho da economia portuguesa em 2016.

 

Falamos das exigências de capital sentidas pela banca e da volatilidade crescente dos mercados acionistas, da turbulência decorrente de uma eleição de um candidato mais populista nos EUA, das tensões geoestratégicas no Médio Oriente, do desempenho económico das economias emergentes, etc.

 

Num contexto tão desafiante, a economia portuguesa conseguir um crescimento, pelo menos igual ao previsto no OE, será já um feito assinalável. 

 

Também nada despiciendo é o nervosismo das "yields" das obrigações soberanas portuguesas nas últimas semanas, que atingiram há alguns dias máximos dos últimos dois anos.

 

Esta sombra constante dos mercados sobre Portugal não terá sido reforçada substancialmente pela apresentação do OE, sendo este apenas mais um aspeto a acrescentar a toda uma série de fatores que têm vindo a afetar negativamente a perceção de risco em relação a Portugal. Concretamente, a frágil situação dos balanços dos bancos nacionais; o peso elevado da dívida pública no PIB; o aproximar de reavaliações de "rating" por parte das agências internacionais; e a transferência surpresa de dívida sénior do Novo Banco para o BES "mau". Este último, aliás, a um passo de ter consequências ainda mais gravosas na confiança externa em relação a Portugal, já que chegou a ser analisado pela International Swaps and Derivatives Association (ISDA) como uma situação de potencial incumprimento.

 

Finalmente, uma referência ao papel do Banco Central Europeu (BCE) e das agências de "rating": o BCE prossegue com a sua política de aquisição de ativos, assegurando a manutenção de "yields" em níveis historicamente baixos, negativas em diversos países e prazos, permitindo ao sistema bancário aceder a financiamento barato.

 

Este programa de aquisição de dívida aplica-se a todos os países com dívida soberana classificada como de "qualidade de investimento" por, pelo menos, uma das quatro agências de "rating" reconhecidas pelo BCE. Atualmente, apenas a DBRS atribui essa qualidade a Portugal, o que permite aceder ao programa.

 

A revisão em baixa dessa classificação atiraria Portugal para uma situação em que o sistema bancário se veria impedido de apresentar dívida soberana como colateral de financiamento, condenando o sistema ao colapso, apenas evitável com a implementação de um programa cautelar por parte do BCE. Ou seja, um plano de resgate à banca nacional.

 

Em suma, continuam no horizonte as condições para uma "tempestade perfeita" se abater sobre a economia portuguesa, pelo que seria importante um maior realismo e clarividência no debate político-económico que privilegiasse a questão fundamental "Como fazer crescer uma economia com um peso da dívida - pública e privada - tão elevado?", negligenciando questões menores e mais ou menos fraturantes, associadas a interesses corporativos, que preenchem a espuma dos nossos dias.

 

Docente na Universidade Portucalense

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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