Opinião
O compromisso de salvação nacional
A economia portuguesa não é suficientemente forte e musculada para poder aterrar num tempo e num espaço tão curtos como são aqueles que são propostos pelo Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF). A consequência imediata é a destruição de capacidade produtiva efectiva e potencial.
Vivemos um tempo de emergência nacional, um tempo que apela, nas palavras do Senhor Presidente da República, a um compromisso de salvação nacional. O modelo socioeconómico e orçamental português está desajustado face à actual globalização dos mercados e face à actual estrutura da política europeia. A economia portuguesa não é suficientemente forte e musculada para poder aterrar num tempo e num espaço tão curtos como são aqueles que são propostos pelo Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF). A consequência imediata é a destruição de capacidade produtiva efectiva e potencial. A necessidade de um horizonte temporal alargado e de um período longo de estabilidade e crescimento são, portanto, imprescindíveis para criar expectativas positivas de resolução duradoura dos problemas em questão.
Agora que se prepara, no espaço público português, um acordo de salvação nacional, não queria deixar de dar o meu modesto contributo para esse compromisso.
A minha proposta, para ser verosímil, supõe que sejam aceites três condições políticas no horizonte 2014-2020:
• um horizonte temporal alargado (2014-2020) para o "soft landing" do problema orçamental;
• a reforma do Estado e da respectiva estrutura da despesa pública (2014-2020);
• um "Plano Delors" de financiamento do programa de crescimento para os países resgatados (2014-2020) que impulsione o crescimento nominal do PIB acima dos 3,5% a 4,0%.
Sendo estas as condições de partida, eis, em cinco pontos, como se articulam as medidas que considero indispensáveis no horizonte 2014-2020:
1) Estabelecer um acordo político bipartido (bloco central) ou tripartido (os três partidos do memorando), com o patrocínio do Presidente da República, tendo em vista ganhar capital político de confiança em Bruxelas para negociar, com vantagem, no período 2013-2014, a consistência e a continuidade de três programas: a revisão do PAEF para 2013-2014, o programa cautelar para 2014-2015 e o programa de crescimento e emprego para 2014-2020, no âmbito mais geral de um programa pós-troika;
2) Definir um programa de ajustamento cautelar (que não de austeridade) para o ano de 2014-2015; pela sua própria natureza é mais um programa de prevenção e contingência do que um programa de intervenção e visa assegurar uma transição tranquila do actual programa de assistência para uma situação de normalidade no acesso aos mercados;
3) Em matéria de ajustamento orçamental, o programa de "soft landing" 2014-2020 deverá prever:
- A reforma do Estado e da sua despesa estrutural em 1% ao ano entre 2014 e 2020 (cerca de 900 milhões/ano), até aos 42% a 43% do PIB;
• O "soft landing" da redução do défice orçamental em 0,5% ao ano entre 2014 e 2020 até aos 1,5 ou 2%;
• A formação de saldos primários positivos até 2020;
• O funcionamento pleno dos estabilizadores automáticos;
• Uma descida de cinco pontos do IRC já em 2014;
• Uma descida de cinco pontos para o IVA já em 2014;
• Uma colecta mínima para os pequenos negócios;
• O combate sem tréguas à evasão e fraude fiscal;
4) Definir através de um acordo de médio prazo, coincidente com o próximo período de programação plurianual dos fundos estruturais europeus (2014-2020), um programa de crescimento e emprego que deverá contemplar:
• A reforma do Estado e da administração pública: a estrutura de poderes, as missões de soberania, o regime de protecção social, a nova estrutura dos estímulos orçamentais, a nova organização administrativa do Estado, no limite através de uma revisão constitucional;
• Um crescimento nominal do PIB acima dos 3,5% a partir de 2015;
• Uma derrogação europeia que autorize uma competitividade fiscal agressiva;
• Uma derrogação europeia para as taxas de comparticipação do investimento que variem com a capacidade financeira do orçamento nacional e/ou
• Uma derrogação europeia que permita excluir, total ou parcialmente, determinadas despesas de investimento público reprodutivo para o cálculo do défice orçamental,
• A proposta de um "Plano Delors" para os países resgatados financiado por "obrigações de crescimento" emitidas pelo BEI (Banco Europeu de Investimentos) e pelo FEI (Fundo Europeu de Investimentos);
• A criação, em Portugal, de uma instituição financeira que, a partir dos fundos afectos ao nosso país, possa alavancar toda a política de investimentos QREN II do próximo período de programação;
5) No plano geral da condução da política europeia para a zona euro:
• Um acordo político entre os países do Sul do mediterrâneo no sentido de um aprofundamento do governo económico da zona euro, que inclui a proposta de um "Plano Delors" para os países sob resgate;
• No plano da União Orçamental, a entrada em vigor do tratado orçamental, tal como está, torna impossível o ajustamento económico e financeiro dos países resgatados, se não forem promovidos instrumentos correctivos no plano europeu, por exemplo:
• A gestão da dívida soberana (DS) acima de 60% através de um Fundo Europeu de Redenção;
• A convergência económica da zona euro através de um Fundo Europeu de Convergência e de mecanismos de "duplo ajustamento económico";
• A estabilização financeira da zona euro através de um Fundo Monetário Europeu (evolução FEEF/MEE);
• A experimentação de alguns estabilizadores automáticos para a zona euro, em especial nas políticas activas para o mercado de trabalho;
• O ensaio de um orçamento próprio da zona euro com algumas funções anticíclicas.
• No plano da união bancária e financeira, o aprofundamento da supervisão e da regulação do mercado do crédito de modo a evitar o risco moral da dívida soberana sobre a actual fragmentação dos mercados financeiros que penaliza a economia portuguesa com juros elevados.
Universidade do Algarve