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Pedrógão é, também, uma história de finanças públicas

Só a recomposição da despesa pode abrir espaço orçamental a boas soluções para áreas vitais, como a dos incêndios.

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A tragédia em Pedrógão Grande remete-nos, também, para como se gerem as finanças públicas. O drama repetido dos incêndios junta-se a outros casos reveladores sobre como um défice orçamental baixo pode coexistir com péssimas opções políticas, que alimentam ineficiências e clientelas eleitorais em prejuízo do investimento do dinheiro público em áreas prioritárias para os cidadãos.

 

A profissionalização dos bombeiros, a subsidiação pública para tapar as falhas dos privados na conservação da floresta e o reforço do número de vigilantes da natureza, vulgo guardas florestais, são algumas das medidas apontadas com frequência pelos especialistas. Todas custam dinheiro e são rejeitadas com base em restrições orçamentais. No ano passado, por exemplo, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) recomendou a contratação de 200 vigilantes, o triplo dos existentes - o Ministério do Ambiente admitiu contratar só 20 porque, cito o Observador, seguir a recomendação do ICNF implicaria um "custo incomportável" de quatro milhões de euros.

 

A invocação de restrições orçamentais aqui - como no bloqueio da entrada de medicamentos inovadores e nos racionamentos no Serviço Nacional de Saúde, para citar um exemplo diferente - é estranha. Não porque essas restrições sejam ficção - num país com uma dívida de 130% do PIB elas são bem reais -, mas porque no enorme bolo de 77.365 milhões de euros de despesa pública em 2016 (e já estou a excluir os juros) há espaço para muitos erros e desperdício. No capítulo dos erros, relembremos que a reposição parcial do IVA da restauração custa 350 milhões por ano. No do desperdício notemos, por exemplo, que Portugal gasta claramente acima da média europeia na área militar.  

 

À direita há quem ache que o Estado gasta demasiado e reclame a necessidade de cortar despesa. À esquerda há quem ache que gasta pouco e reclame a necessidade de aumentar. É provável, como sempre, que a virtude esteja no meio: num país com carências graves que exigem dinheiro, o Estado gasta sobretudo mal. Seria mais consequente que o debate se orientasse para a recomposição profunda e gradual da despesa, evitando novos erros clamorosos.

 

Um primeiro contributo para esta reorientação foi dado pelo FMI em 2013 com um relatório sobre a eficiência da despesa pública. Quem se arrepiar com a carga ideológica e eventuais erros do FMI poderá repetir o exercício para perceber onde gastamos acima da média europeia - considerando que, para um país cujo PIB por habitante é de 78% da média europeia, o uso dessa média como referência para todos os gastos soa a demasiada ambição. Poderá analisar, então, se os beneficiários dessa despesa, os resultados e o custo de oportunidade (de não gastar noutro lado) o justificam. Depois tem de comprar as guerras com aqueles a quem deve tirar dinheiro.

 

Recompor a despesa não resolve tudo por si só - deitar dinheiro para cima dos problemas sem conhecimento técnico pode ser pior do que estar quieto. Mas é a única forma de abrir espaço orçamental para boas soluções técnicas em áreas vitais, como é a dos incêndios, ao mesmo tempo que se garante o equilíbrio das contas públicas. É, também, uma obrigação moral dos governantes perante desastres como este, com histórias de pessoas deixadas ao seu destino no meio das chamas nas serranias, sem vestígios da presença de um Estado que desbarata recursos com as reclamações de lóbis com peso nos media, nos bastidores ou nas urnas. Mais do que com abraços e minutos de silêncio é a governar com escolhas difíceis que se mostra respeito pelas pessoas.

 

Jornalista da revista Sábado

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