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08 de Abril de 2021 às 20:52

A melhor banda de todos os tempos da última semana

Existimos num mundo de expectativa elevada e falsa perfeição. Mas se as referências sociais funcionam como um mecanismo de confirmação dos nossos valores no desenvolvimento pessoal, não seria desejável que fossem pelo menos verdadeiras?

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A comunicação publicitária gosta de estereótipos. Facilitam a identificação do indivíduo com um determinado grupo, que por esse motivo está mais predisposto a ouvir o que as marcas têm para lhe dizer. Sem essa barreira inicial, o consumidor não tem de decidir se a mensagem lhe é dirigida, mas sim se o produto lhe interessa. Os estereótipos utilizados na publicidade são tendencialmente inclusivos, abrangentes e aceites pelo consumidor.

 

O objetivo de explorar estes atributos identitários é predispor o indivíduo a uma atitude aspiracional que possa ser convertida em desejo e em consumo. Um dos melhores exemplos desta relação, válido até hoje, é o do "Marlboro Man", criado por Jack Landry e pela Leo Burnett em 1954. Este "herói" da publicidade surgiu como a representação de uma fantasia de juventude, como um símbolo de rebeldia e independência, fosse com o seu chapéu cowboy ou de casaco smoking a acender um cigarro com a mão tatuada.

 

Mas esta exposição figurativa pode não ser suficiente. A interação do indivíduo com as marcas está por vezes relacionada com os seus próprios valores e perceções. Nestes casos é necessário perceber qual é o sentimento social dominante, e se pode ser convertido numa mensagem publicitária eficaz. Em 1958, a Pepsi utilizou aquele que é considerado o primeiro "insight" publicitário com a campanha "Para aqueles que pensam jovem". Os jovens não queriam ser vistos a beber café porque era uma bebida "velha", a Pepsi apresentava-se como a alternativa "moderna".

 

A menina a brincar com bonecas, o menino a jogar à bola, o avô cúmplice, o adolescente rebelde, a princesa mimada, o artista snob, são exemplos representativos de um imaginário social vigente, facilmente reconhecido. Polémicas à parte - as meninas também jogam à bola - estes estereótipos estão na convergência entre o desenvolvimento da identidade pessoal e as relações sociais, ou seja, nas aprendizagens que resultam da interação com outros.

 

Apesar de se tornarem adolescentes "mais depressa", como efeito, entre outros fatores, de uma exposição aos media sem precedentes, a identidade das crianças desenvolve-se em dois momentos importantes: entre os 5 e os 7 anos, com forte influência da família; entre os 8 e os 12 anos, quando se inicia a pressão de grupo, a influência dos amigos. Esta pressão é consequência do ambiente tecnológico que as rodeia, e que está na origem de uma geração mais informada, atenta e opinativa, que consegue exercer a sua influência.

 

Investidos desse poder nas decisões familiares, os jovens também exercem influência na escolha das marcas. Contudo, se é verdade que os ciclos de desenvolvimento podem ser acelerados por esta conectividade social e interferência tecnológica, não deixam de estar relacionados com o desenvolvimento fisiológico e maturidade emocional, que não podem ser apressados. Por este motivo, é expectável que não saibam lidar com determinados estímulos.

 

A descodificação de estereótipos, dos quais a publicidade se serve enquanto voz da cultura, da última tendência, é também uma forma de socialização. Uma das características das novas gerações é a não distinção entre canais de comunicação: media e social media confluem num único meio. Com a confusão entre realidade e ficção, que caracteriza as redes sociais, os filtros que permitem descodificar os estereótipos são menos eficazes.

 

Alguns estudos defendem que os estereótipos estão a desaparecer. No TikTok e no Instagram, somos todos iguais. Os pais queixam-se, mas replicam o comportamento dos filhos, dão o exemplo. As mesmas danças, as mesmas selfies. Tiram-se 100 fotografias para postar uma. Apagam-se as que não têm likes. Utilizam-se fotografias das férias passadas se forem melhores que as deste ano. Escondem-se as falhas, as fraquezas, os desafios. As marcas, com menos "matéria-prima" à disposição, cometem o mesmo erro. Se não na publicidade, nas suas próprias redes sociais.

 

O mundo evolui, a tecnologia domina a nossa existência, as relações sociais alteram-se. Que não se confunda esta manifestação de preocupação, porventura infundada, com aquele menear de cabeça de quem apregoa vaidade e desastre. Como sugere a música dos Titãs, que empresta o título a este artigo, existimos num mundo de expectativa elevada e falsa perfeição. Mas se as referências sociais funcionam como um mecanismo de confirmação dos nossos valores no desenvolvimento pessoal, não seria desejável que fossem pelo menos verdadeiras?

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