Opinião
Folha de assentos
Os professores atormentam o Governo. Ou vice-versa. O protesto repete-se de governo para governo e de Orçamento para Orçamento do Estado. Há agitação a mais nas escolas e consideração a menos dos professores. É preciso devolver estabilidade à escola.
de/do. De novo, os professores atravessaram-se no caminho do governo. O descongelamento das carreiras foi uma dor de cabeça na negociação do Orçamento deste ano. Arrisca-se agora a ser uma ameaça ao próximo. Na lei do OE/2018 ficou escrita "a expressão remuneratória do tempo de serviço" em vez da "expressão remuneratória de tempo de serviço", o que aponta para a consideração dos 9 anos, 4 meses e dois dias. Mas a mesma frase termina com um "…tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis". Acresce que o PS aprovou uma recomendação dos Verdes ao Governo para contar todo o tempo de serviço. Não tem força de lei, mas revela um compromisso. Do mesmo modo que a insustentabilidade do custo, invocada pelo primeiro-ministro, legitima a atitude governamental. Há razões dos dois lados. Talvez a razão jurídica assista o Governo. Mas a questão é política e laboral. BE e PCP parecem mais opositores do que os opositores. A contestação sindical vai acentuar-se e causar danos. Pode não ser o ponto de ruptura, mas porá à prova o próximo Orçamento, que vai começar a ser negociado. A legislatura pode não chegar ao fim, como admitiu António Costa.
geringonça. Cada vez que um entendimento parlamentar menos óbvio dá origem a um governo tendemos a chamar-lhe 'geringonça'. Tudo começou, entre nós, com a quebra do tabu de um entendimento à esquerda. A estranheza, apesar das contradições e dos percalços, entranhou-se. Talvez não se repita, mas é vista com bons olhos, nem que seja pelo contraste de uma radicalização à direita nos anos anteriores. Foi o derrube do governo de Passos Coelho que uniu a esquerda. Também em Espanha, foi a censura de Mariano Rajoy que levou Pedro Sanchez ao poder. É pouco, mas é uma oportunidade de desbloqueio numa Espanha de costas voltadas a si própria. Foi surpreendente a oportunidade explorada por Sanchez. Será uma grande façanha se tiver êxito nos próximos tempos. Sobreviver à relação com a Catalunha e com o Podemos são as maiores dificuldades. Reestabelecer o diálogo político com a autonomia catalã será vital, mesmo tendo em conta que o PSOE não admite ceder na integridade territorial do estado espanhol. Um governo paritário é um bom primeiro sinal. Capacidade política e capacidade negocial são as provas de fogo de Sanchez. Afinal, o segredo da vitalidade democrática.
coesão. A erosão do projecto europeu é interior aos próprios países. Há muito desconforto latente e manifesto. A construção europeia ficou aquém das expectativas, distanciou-se dos povos, incapaz de garantir suficiente coesão política, económica e social. A erosão europeia acompanha o enfraquecimento das democracias e o crescimento dos populismos. O Brexit insere-se na tendência, embora tenha outras razões históricas. A poucas semanas de um conselho europeu, o agravamento da situação parece conjugar-se com a habitual paralisia. Na Eslovénia vence as eleições um partido anti-imigração, na Itália sopram ventos perturbadores, a falta de acordo para o Brexit semeia medo nos britânicos (como se fosse uma inevitabilidade) e também por isso a Comissão Europeia quer cortar fundos de coesão a metade dos países da União… Coesão, ou a falta dela, é o grande problema europeu. E quando a Europa se torna problema, em vez de solução, as forças desagregadoras ganham terreno. Da Alemanha vêm boas intenções - o fortalecimento e a reforma da UE é o tema do primeiro capítulo do programa de governo alemão -, mas os receios e cautelas internos fazem prever pouco mais do que cosmética. E, no entanto, os receios e cautelas europeus exigiam, e exigem, determinação.
direito. O que se passa no Sporting Clube de Portugal ultrapassa, e muito, a questão desportiva. Tornou-se num desafio ao estado de direito. Mais do que a luta entre partidários e adversários de Bruno de Carvalho, está em causa a subversão das regras básicas de uma qualquer associação. Um conselho directivo que destitui a mesa da assembleia geral é uma originalidade só possível num estado que suspendeu a legalidade. É assim que estamos. Pouco importa que aconteça no Sporting. Podia ser noutra qualquer agremiação e seria igualmente grave que o tolerássemos. As divergências internas de uma organização devem ser dirimidas pelos sócios seguindo as regras em vigor. O que está a acontecer no Sporting, como diz Miguel Poiares Maduro, "é como se um governo, descontente com as decisões de um parlamento e dos tribunais, os decidisse extinguir e substituir por outros da sua escolha". Se um presidente se arvora o direito de impôr a sua vontade e os restantes órgãos do clube se revelam impotentes para repor a legalidade, o Estado tem a obrigação de intervir. Até porque os órgãos federativos do futebol se remeteram ao silêncio.
catolicismo. Bem se pode dizer que os portugueses são mais católicos do que podem parecer. Afinal, a crença é forte. O Pew Research Center, um reputado think tank americano que realiza inquéritos nos quatro cantos do mundo, publicou há poucos dias o estudo "Ser cristão na Europa Ocidental". Conclusão: os portugueses são os que mais se identificam com o cristianismo (83%), rezam todos os dias 37%, falam com Deus diariamente 27%. Somos os campeões europeus do catolicismo em quase todos os itens considerados. O estudo baseou-se em 24 mil entrevistas realizadas em 15 países entre Abril e Agosto do ano passado. É também em Portugal que se regista a maior resistência ao aborto (40%) e ao casamento gay (41%). Curioso é o número de adeptos portugueses da reencarnação (31%) e da astrologia (35%, logo a seguir à Espanha, que tem 37%). Portugal tão religiosamente católico e tão contraditório. Basta olhar para o número de divórcios.
estuário. É o título do mais recente romance de Lídia Jorge. Anuncia-se preocupado com a «vulnerabilidade de um homem, de uma família, de uma sociedade e do próprio equilíbrio da Terra». Edmundo Galeano é o centro deste "Estuário" (D. Quixote). Um homem que perdeu parte da mão direita numa missão humanitária nos campos de refugiados somalis de Dadaab, no nordeste do Quénia. Filho de um armador, Edmundo gosta de palavras, de escrever, apesar da dificuldade. Parece regulado por um relógio, como se as palavras fossem "os números e as agulhas do seu maquinismo". Recita e copia muitas vezes a Ode Marítima, de Álvaro de Campos, e inspira-se na Ilíada… Edmundo tem um testemunho para contar e novas batalhas a vencer. Alguns dos ingredientes para mais uma travessia de Lídia Jorge pelos desafios da vida e do futuro.
geringonça. Cada vez que um entendimento parlamentar menos óbvio dá origem a um governo tendemos a chamar-lhe 'geringonça'. Tudo começou, entre nós, com a quebra do tabu de um entendimento à esquerda. A estranheza, apesar das contradições e dos percalços, entranhou-se. Talvez não se repita, mas é vista com bons olhos, nem que seja pelo contraste de uma radicalização à direita nos anos anteriores. Foi o derrube do governo de Passos Coelho que uniu a esquerda. Também em Espanha, foi a censura de Mariano Rajoy que levou Pedro Sanchez ao poder. É pouco, mas é uma oportunidade de desbloqueio numa Espanha de costas voltadas a si própria. Foi surpreendente a oportunidade explorada por Sanchez. Será uma grande façanha se tiver êxito nos próximos tempos. Sobreviver à relação com a Catalunha e com o Podemos são as maiores dificuldades. Reestabelecer o diálogo político com a autonomia catalã será vital, mesmo tendo em conta que o PSOE não admite ceder na integridade territorial do estado espanhol. Um governo paritário é um bom primeiro sinal. Capacidade política e capacidade negocial são as provas de fogo de Sanchez. Afinal, o segredo da vitalidade democrática.
direito. O que se passa no Sporting Clube de Portugal ultrapassa, e muito, a questão desportiva. Tornou-se num desafio ao estado de direito. Mais do que a luta entre partidários e adversários de Bruno de Carvalho, está em causa a subversão das regras básicas de uma qualquer associação. Um conselho directivo que destitui a mesa da assembleia geral é uma originalidade só possível num estado que suspendeu a legalidade. É assim que estamos. Pouco importa que aconteça no Sporting. Podia ser noutra qualquer agremiação e seria igualmente grave que o tolerássemos. As divergências internas de uma organização devem ser dirimidas pelos sócios seguindo as regras em vigor. O que está a acontecer no Sporting, como diz Miguel Poiares Maduro, "é como se um governo, descontente com as decisões de um parlamento e dos tribunais, os decidisse extinguir e substituir por outros da sua escolha". Se um presidente se arvora o direito de impôr a sua vontade e os restantes órgãos do clube se revelam impotentes para repor a legalidade, o Estado tem a obrigação de intervir. Até porque os órgãos federativos do futebol se remeteram ao silêncio.
catolicismo. Bem se pode dizer que os portugueses são mais católicos do que podem parecer. Afinal, a crença é forte. O Pew Research Center, um reputado think tank americano que realiza inquéritos nos quatro cantos do mundo, publicou há poucos dias o estudo "Ser cristão na Europa Ocidental". Conclusão: os portugueses são os que mais se identificam com o cristianismo (83%), rezam todos os dias 37%, falam com Deus diariamente 27%. Somos os campeões europeus do catolicismo em quase todos os itens considerados. O estudo baseou-se em 24 mil entrevistas realizadas em 15 países entre Abril e Agosto do ano passado. É também em Portugal que se regista a maior resistência ao aborto (40%) e ao casamento gay (41%). Curioso é o número de adeptos portugueses da reencarnação (31%) e da astrologia (35%, logo a seguir à Espanha, que tem 37%). Portugal tão religiosamente católico e tão contraditório. Basta olhar para o número de divórcios.
estuário. É o título do mais recente romance de Lídia Jorge. Anuncia-se preocupado com a «vulnerabilidade de um homem, de uma família, de uma sociedade e do próprio equilíbrio da Terra». Edmundo Galeano é o centro deste "Estuário" (D. Quixote). Um homem que perdeu parte da mão direita numa missão humanitária nos campos de refugiados somalis de Dadaab, no nordeste do Quénia. Filho de um armador, Edmundo gosta de palavras, de escrever, apesar da dificuldade. Parece regulado por um relógio, como se as palavras fossem "os números e as agulhas do seu maquinismo". Recita e copia muitas vezes a Ode Marítima, de Álvaro de Campos, e inspira-se na Ilíada… Edmundo tem um testemunho para contar e novas batalhas a vencer. Alguns dos ingredientes para mais uma travessia de Lídia Jorge pelos desafios da vida e do futuro.
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