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19 de Janeiro de 2018 às 13:00

Folha de assentos

Há um novo líder na oposição e a expectativa de um espaço político mais competitivo. Os trabalhos de Rui Rio são enormes. Tem a vantagem de estar menos preso ao passado e a dificuldade da construção de uma alternativa eficaz. Os números da economia confortam António Costa, mas o País é mais do que números. A qualificação do território devia ser uma boa causa.

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ganhar. Rui Rio ganhou a Santana Lopes. Tem o partido na mão, mas precisa de o conquistar. Parece um paradoxo. Talvez não seja. As eleições directas têm esse poder, legitimam o líder nas urnas, supostamente permitem abrir os partidos à sociedade. A experiência tem demonstrado, como escrevia há uma semana Marina Costa Lobo, que as directas esvaziam os partidos, tiram poder ao Congresso, o único órgão que contrariava o poder do líder. E como não foram abertas a simpatizantes, apenas organizaram militantes no apoio aos candidatos. Neste caso, a mobilização foi fraca: 40% dos que pagaram quotas para votar não votaram. Em qualquer caso, Rui Rio ganhou um partido dividido e enfraquecido, que precisa de unir, renovar e mobilizar. As equipas que constituir e a agenda que mostrar (conhece-se pouco) revelarão ao que vem. O seu destino dependerá da capacidade de afirmar a sua liderança e de fazer oposição. O País precisa de um PSD forte, capaz de mostrar um programa preocupado com o futuro e não com o passado. Os militantes quiseram virar a página. O voto que lhe deram tem o preço da eficácia.

alternativa. Rio prometeu uma alternativa de governo à frente de esquerda, uma oposição forte sem demagogia nem populismo. Diz não ter uma visão liberal nem uma visão estatizante. Reivindica-se do "centro político alargado", reformista, inspirado na social-democracia e no "pragmatismo social". Vago. Na campanha interna, não foi muito longe sobre o que quer para o País, o que o PSD fará melhor do que o PS. Santana Lopes não admitia qualquer entendimento com os socialistas. Rio disse que são necessários compromissos. E são. Mas os compromissos exigem ideias claras, positivas, que beneficiem a estabilidade das políticas públicas. O PSD só se afirmará se for capaz de ir a jogo com o PS e fizer vingar boas ideias: na qualificação do território, no investimento público, na segurança social, nas políticas europeias, no sistema financeiro, na justiça… Muito trabalho de casa, estudo, qualidade, protagonistas credíveis. O líder do PSD não dispõe de palco parlamentar. Precisa de visibilidade, proximidade com o País e poder de comunicação. E, já agora, de clarificar a relação com o CDS: cooperação, articulação? Um entendimento à esquerda exige entendimento à direita. Ou não? 

desamarrado. Na primeira entrevista após a vitória nas directas, Rui Rio fez questão de repetir várias vezes na RTP que "não está amarrado a nada, a interesse nenhum". Livre para decidir, espera ter "a arte e o engenho para poder continuar desamarrado". Por isso, na campanha interna, disse pouco. Diz agora Rio: "É preciso namorar bem para ter um bom casamento". Traduzindo, não prometer o que não se pode cumprir: "Se prometemos tudo o que o eleitorado quer ouvir, ficamos amarrados". O novo líder do PSD julga que as campanhas são decisivas para "os graus de liberdade que devemos ter a seguir". Um dos problemas das democracias é a violação dos contratos entre eleitores e eleitos. Mas nem por isso parece muito saudável que esses contratos redundem em cheques em branco. É verdade que Rio avançou algumas ideias arriscadas sobre a segurança social ou sobre cenários de governabilidade. Pouco mais. Esperemos que aos congressistas do seu partido e aos portugueses diga mais nos próximos tempos. É bom que decida sem amarras a interesses particulares. Tão bom como ficar amarrado ao interesse geral.

competição. O reposicionamento do PSD tem impactos à sua direita e à sua esquerda. Uma abertura ao diálogo e à negociação com o PS recentra-o, mas deixa espaço à direita ao CDS. Se for verdade que as eleições se ganham ao centro (o que quer que isso seja), Rui Rio pode explorar espaços que o PS teve e tem dificuldade em ocupar, em resultado dos compromissos limitados que mantém à sua esquerda. Há matérias no programa socialista até agora sem concretização por falta de iniciativa e de parceiro que as viabilize. Pelo simples facto de o PSD ir a jogo, o espaço político vai tornar-se mais competitivo. Mas não tenhamos ilusões: seja pela pressão crescente dos seus parceiros, seja porque o PSD quer recuperar espaço perdido, António Costa está interessado em maximizar benefícios à direita e à esquerda. Será capaz? Marcelo Rebelo de Sousa já disse que é preciso um governo forte e uma oposição forte. Quererá ser mediador? 

qualidade. No discurso da derrota, Santana Lopes pareceu incrédulo com os resultados. Disse que iria aproveitar agora para os analisar melhor como "humilde politólogo". O estudo da ciência política é muito útil à compreensão do funcionamento dos poderes e das suas relações com a sociedade. Conceição Pequito Teixeira é uma politóloga com um percurso sólido na investigação universitária e na intervenção pública, que nos tem ajudado a ler o funcionamento do sistema político. Acaba de publicar dois livros. No primeiro coordena um conjunto de investigadores que traçam uma perspectiva comparada sobre "O Sistema Político Português" (Princípia). O segundo é um ensaio sobre a "Qualidade da Democracia em Portugal" (Fundação Francisco Manuel dos Santos). Aqui pergunta: poder-se-á considerar a democracia portuguesa como uma 'democracia de qualidade'? A resposta é negativa: desconfiança, insatisfação, incumprimento das promessas eleitorais, Parlamento como mera caixa de ressonância dos directórios partidários… O regime democrático não está em causa, mas cresce a erosão do funcionamento das democracias.

medição. Os números parecem ser a medida de todas as coisas. Tudo se quantifica. Tudo se hierarquiza. Tudo se compara. O mundo só é apreensível por medição: os rankings das escolas, a competitividade das empresas, o risco, a qualidade de vida, o rating… O nosso universo enche-se de indicadores, de likes, partilhas, algoritmos. O filósofo espanhol Daniel Innerarity escrevia esta semana sobre esta mentalidade quantitativa que nos situa imediatamente. A medição quantitativa esconde outras dimensões. Ordena o caos, responde à incerteza, mas não o faz com objectividade incontestável. A realidade modifica-se ao ser medida. E os critérios de medição não são inocentes. Os números também fazem política. Interesses e preconceitos condicionam quem define regras e procedimentos. Os números devem ser escrutinados, desconstruídos, questionados. Não é indiferente que na medição da riqueza produzida se considerem, por exemplo, critérios ambientais. Innerarity conclui: "Num mundo em que a política se entrega às representações quantitativas, a luta pelo modo de medir converteu-se já numa tarefa genuinamente democrática". Raramente os números são à prova de bala. 


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