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"Não podemos negligenciar as perturbações significativas na sociedade e na economia causadas pelo surto do coronavírus", afirma Gabriel Bernardino, presidente da EIOPA (European Insurance and Occupational Pensions Authority), que é a responsável pela supervisão do setor dos seguros e dos fundos de pensões.
Desde o início desta crise, a EIOPA tem vindo a divulgar recomendações e medidas dirigidas à indústria seguradora, como a flexibilização dos prazos relativos aos relatórios de supervisão e de divulgação pública, ou o pedido às seguradoras e intermediários de seguros para que continuem a tomar ações para mitigar o impacto do coronavírus junto dos consumidores. Mais recentemente, a EIOPA instou as seguradoras e resseguradoras a suspender temporariamente a distribuição de dividendos discricionários e a recompra de ações.
Qual é o ponto de situação da revisão de Solvência, que se caracteriza mais pela evolução do que pela revolução? O que é que de mais significativo pode mudar?
Na EIOPA abordámos a revisão como uma oportunidade de garantir que o regime Solvência II permanece adequado ao seu objetivo principal de proteção dos tomadores de seguro e que, ao mesmo tempo, reflete a evolução das condições do mercado. A opinião da EIOPA é que, em geral, o regime Solvência II é eficaz e funciona bem.
Abordámos a revisão como uma evolução e não uma revolução. No início de março, solicitámos à indústria seguradora que nos fornecesse informações sobre o impacto global das nossas propostas, o que ajudará a emitir uma opinião formal por parte da EIOPA.
As áreas em que propomos mudanças incluem a inclusão das taxas de juro negativas na abordagem ao risco de taxa de juro, melhorias na aplicação do princípio da proporcionalidade, nomeadamente no que diz respeito a relatórios e divulgações obrigatórias, bem como ajustamentos que incentivem o desenvolvimento de produtos de longo prazo e investimentos de longo prazo.
Com a emergência da pandemia, a EIOPA decidiu alargar o prazo de resposta por parte do mercado segurador e irá analisar os efeitos e as lições a tirar da presente crise para o Solvência II.
A cibersegurança é uma das preocupações da EIOPA. Como é que se pode fortalecer o sistema de segurança da indústria seguradora?
O crescente uso das novas tecnologias digitais trouxe consigo o risco crescente de ameaças cibernéticas, com um número crescente de ataques cibernéticos cada vez mais sofisticados. Um mercado eficaz de seguros cibernéticos é uma componente essencial de uma estrutura sólida de resiliência cibernética. É animador ver que, na Europa, o setor de seguros cibernéticos está a crescer rapidamente e esperamos que essa tendência se mantenha.
O trabalho da EIOPA nesta área leva-nos a acreditar que é importante que existam ferramentas adequadas de avaliação e mitigação para lidar com riscos sistémicos. Como parte da nossa estratégia de supervisão de riscos cibernéticos, a EIOPA continuará a avaliar a evolução da subscrição de riscos cibernéticos e de gestão de riscos em toda a Europa, incluindo uma investigação mais aprofundada das questões relacionadas com a exposição ao chamado risco cibernético silencioso.
Continuaremos também a considerar os cenários relacionados com eventos e incidentes de risco cibernético nos exercícios de Stress Test e a colaborar com as diversas partes interessadas para explorar e promover o desenvolvimento de uma taxonomia harmonizada de reporte de incidentes cibernéticos.
Presidente da EIOPA
No ano passado afirmou que "é tempo de levar a sério a supervisão comportamental como garante de boas práticas do mercado". Está a ser levada a sério? Que balanço faz?
A supervisão comportamental é de particular importância para garantir a defesa dos consumidores, para que possam ter a certeza de que são tratados de forma justa e que os produtos de seguros que compram representam uma boa relação qualidade-preço, o chamado value for money.
Isto implica o fortalecimento dos procedimentos relativos à governação e monitorização de produtos, para que a conceção de produtos, a sua colocação no mercado e a gestão de sinistros tenham na sua base o interesse dos consumidores. Certas práticas, tais como comissões desproporcionais e conflitos de interesse, têm de ser eliminadas.
As prioridades da EIOPA nesta área são os seguros de vida para crédito à habitação, seguros ligados a fundos de investimento (unit linked), seguros complementares e o tratamento de sinistros no ramo automóvel.
Onde encontramos más práticas, continuaremos a fazer a sua divulgação pública. No ano passado identificámos alguns modelos de negócio de seguros de viagens que apresentam elevados riscos comportamentais e suscitaram preocupações do ponto de vista da supervisão. Nesse sentido, formulámos um alerta dirigido às seguradoras e intermediários que prosseguem esses modelos de negócio para reverem as suas práticas relativas às elevadas comissões de distribuição dos seguros de viagem.
Relativamente aos poderes de intervenção sobre produtos, adquirimos uma significativa experiência no último ano, resolvendo com êxito um caso que resultou na retirada do mercado de um grupo de produtos por parte de uma seguradora. Este caminho da EIOPA está sustentado numa crescente atenção à supervisão comportamental por parte dos supervisores nacionais.
Um dos aspetos que tem referido é o impacto da digitalização na indústria seguradora. Como é que esta tem estado a reagir e quais são as próximas ondas de inovação que podem alterar ainda mais o negócio tal como se conhece?
Não há qualquer dúvida de que a digitalização trouxe muitas mudanças para toda a cadeia de valor para a indústria seguradora, trazendo benefícios para seguradoras e consumidores.
Na EIOPA, estamos a analisar diferentes aspetos da digitalização. Durante o próximo ano, iremos continuar a dar prioridade ao desenvolvimento da nossa análise em torno da big data, incluindo trabalhos relativos à supervisão prática dos dispositivos de telemática instalados nos automóveis, da inteligência artificial e dos algoritmos utilizados. Também continuaremos a trabalhar na fragmentação da cadeia de valor e nos novos modelos de negócios, além de analisar a tecnologia blockchain e o fornecimento de serviços e dados para parceiros, comunidades e start-ups, a fim de criar novos serviços, aplicações e modelos de negócios inovadores.
Os supervisores nacionais também estão a aproveitar as vantagens tecnológicas para melhorar a eficiência e a eficácia do processo de supervisão. Assim, no início deste ano, a EIOPA publicou uma estratégia SupTech para sustentar um plano coordenado para o desenvolvimento de ferramentas e tecnologias de supervisão inovadoras baseadas em SupTech bem como processos, em conformidade com os planos anuais de convergência de supervisão.