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Pedro Seixas Vale, presidente da Associação Portuguesa de Seguros.
A indústria de seguros era associada a um negócio de papéis e contratos de letra miúda. Hoje é cada vez mais um sector em que a tecnologia e a inovação são fundamentais. Um recente inquérito da PwC, o Anual Global CEO Survey feito em 2012, colocava o sector segurador, juntamente com a tecnologia, o entretenimento e as comunicações, como um dos mais disponíveis e abertos a novos modelos de negócio. É uma imagem que esta longe da percepção que às vezes se tem de um sector tradicional "de processos longos e complicados, de alguma burocracia, quando é um sector com predisposição para a inovação, a tecnologia e os novos modelos de negócio" como refere Carlos Maia, partner da PwC responsável para a indústria seguradora.
São vários os caminhos que levam o sector segurador à inovação. Os principais factores que motivam a inovação em seguros são a satisfação das necessidades dos clientes e a concorrência, pois o sector segurador português é extremamente competitivo. Pedro Seixas Vale, presidente da Associação Portuguesa de Seguros, acentua que "dezenas de seguradoras definem políticas de inovação que sobretudo possibilitem a sua diferenciação no mercado; um posicionamento de criação de valor para o cliente, para o accionista, para o colaborador e para todos os que com elas se relacionam. Além das tradicionais coberturas de risco é hoje factor de relevo a oferta de serviços associados e uma celeridade nos processos operativos. Daí o esforço que neste momento se verifica no sentido de uma intensa utilização do digital e da simplificação processual, o que permite um aumento significativo da produtividade e da eficiência." Vinda do terreno, a voz de João Gama, director de comunicação e marketing da Mapfre Portugal, afina pelo mesmo tom: "Ao nível de processos e fluxos internos, as seguradoras têm feito em Portugal um trabalho muito interessante que permitiu ganhos de eficiência assinaláveis. Assim se explica, pelo menos em parte, que estejamos a vender seguros em alguns dos ramos com maior peso no mercado com preços idênticos aos que praticávamos há mais de uma década".
Como assinala Pedro Aguiar, consultor estratégico da Return on Ideas, "o digital e a desmaterialização, que permitem fazer novas coisas, colocam uma pressão muito grande na simplificação de processos". São vectores que começaram por ser mais vincados nas seguradoras baseadas na internet, mas que rapidamente ganharam espaço nas outras seguradoras para aumentar a eficiência. Mas não só, como acentua Pedro Aguiar, porque "permitem aumentar o nível de serviço aos clientes, pois não é só uma questão interna, mas é percebido pelos clientes como mais cómodo e eficiente".
Inovação contra a armadilha do preço
Há também a configuração de um novo mundo em que os media sociais se impõem, a demografia e a geografia traduzem-se em novos desafios, a economia e a sociedade criam grandes mutações e alteram tendências, o big data se torna uma necessidade de decifração e a indústria de seguros tem de se adaptar. Como refere Paula Neto, directora da direcção de design e gestão de produtos da Liberty Seguros, "tem surgido no mercado segurador novas garantias para fazer face a riscos diferentes que vão surgindo; consoante o mercado evolui, novos riscos aparecem, a actividade seguradora adapta-se e cria seguros para cobrir esses novos riscos e responsabilidades". A gestora da Liberty exemplifica com o seguro de responsabilidade ambiental, por exemplo.
No entanto, "o sector segurador pode e deve ambicionar ter uma capacidade de inovação superior ao que tem demostrado" salienta João Gama. Entende que "a rápida evolução no comportamento dos consumidores, e em todas as variáveis de mercado, deveria traduzir-se numa outra apetência para renovar constantemente o portefólio de soluções e produtos tal como acontece noutros sectores".
Por sua vez, Pedro Aguiar assinala que as próprias seguradoras "estão a mudar na sua relação com o mercado reforçando a sua marca e o seu posicionamento. Anteriormente, confundia-se até o nome das seguradoras com os canais de distribuição, agora começam a surgir com a marca de uma forma vincada". A justificação, para este consultor, pode "ser uma consequência da crise pois como são empresas estáveis estão a comunicar essa estabilidade ao mercado, que não é uma coisa irrelevante neste momento quem está por trás dos produtos. Isto vai fazer com que o serviço seja mais diferenciado".
A inovação é também uma forma de fugir à armadilha da pressão do preço. "A inovação pode ser uma forma interessante para trabalhar um posicionamento no mercado que aposte maioritariamente na diferenciação, de forma a reduzir o peso da componente do preço na decisão de compra dos consumidores" explica João Gama.
Se a inovação é uma necessidade, não deixa de ter obstáculos. Hoje em dia, na sociedade da informação em que os dados disponíveis são imensos é, talvez por isso, cada vez mais difícil conjugá-los e fazer uma síntese caracterizadora de cada cliente ou perfil de clientes. Estamos, cada vez mais, perante clientes híbridos com comportamentos de compra muito díspares e diversificados para o mesmo tipo de produtos. Perante estas dificuldades, os desafios para implementar uma estratégia de inovação são enormes" alerta João Gama. Mas como diz Paula Neto, "as dificuldades da inovação nos seguros são as mesmas que em todas as actividades, quando inovamos entramos em algo que não conhecemos e temos um risco que não corra bem. Mas os casos de sucesso de inovação são tantos que justificam as dificuldades." n
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Seguros, uma máquina de gestão
O sector segurador gere:
• Cerca de 20 milhões de contratos (isto é 2 contratos / cidadão);
• 2 milhões de sinistros / ano;
• Cerca de 3,5-4 milhões de contratos mudam anualmente de seguradora;
• 7 / 8 redes de distribuição com características diferentes, com 40.000 pontos de venda.
Fonte: APS
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Os casos exemplares de inovação
Fazer a participação de um acidente automóvel por "smartphone" ou o pagamento directo e a resolução no momento são já possíveis nos seguros.
Pedro Seixas Vale dá como exemplo da revolução silenciosa e de inovação do sector segurador a gestão de sinistros. Segundo o presidente da APS, "a revolução feita nos sinistros de automóveis (sem dúvida a de resolução mais célere em toda a Europa) com integração intensa com peritos/averiguadores, oficinas, etc., ou nos sinistros de acidentes de trabalho com melhores modelos nos tratamentos dos sinistrados com altas incapacidades, a parametrização progressiva das indemnizações". Também Paula Neto se refere "à maneira como são geridos os sinistros permitindo nalguns casos o pagamento directo e a resolução no momento (por exemplo quebra de vidros)". "Há seguradoras em que a participação de um acidente de automóvel pode ser feita numa aplicação para 'smartphones' que regista a hora, o local, permite associar as fotografias, participação, o que facilita a vida ao consumidor, poupa custos à seguradora e ajuda a prevenir a fraude" refere Pedro Aguiar da consultora estratégica Return on Ideas.
Este consultor aponta para a capacidade de inovação de produtos tradicionais. Segundo o ISP, o sector segurador lançou, em 2013, 323 novos produtos, embora só 135 tenham permanecido em comercialização no final do ano. Um dos exemplos referidos foi o prémio internacional Efma Accenture Innovation Awards 2014, na categoria Negócio Sustentável, atribuído ao Compromisso Wecare da Fidelidade que apoia a reintegração física, económica e social de pessoas que foram vítimas de acidentes graves.
No processo de inovação há um grande esforço de segmentação e de chegar a novas faixas etárias. Nos produtos de poupança e seguros de vida tenta-se chegar aos mais novos enquanto, por exemplo, nos seguros de saúde surgem novos produtos para seniores com diferentes coberturas e serviços e também se alteram enfoques. Como assinala Pedro Aguiar, há uma mudança de paradigma com o seguro de saúde com uma filosofia de prevenção e não tanto de prestação de serviço na doença. Pedro Seixas Vale assinala que "na área da subscrição de riscos e preços associados, a sofisticação das técnicas actuariais permite hoje conhecer com profundidade os riscos e oferecer preços praticamente por pessoa/empresa em áreas como o seguro responsabilidade civil dos veículos, das empresas em acidentes de trabalho e no ramo saúde. Também a diferenciação dos preços por cobertura em produtos multirriscos (habitação, comércio ou indústria) ou de responsabilidades".
O presidente da APS não deixa ainda de assinalar a capacidade de inovação da rede de distribuição de seguros, que vai dos mediadores, corretores, bancos, aos CTT, telefone, internet, agências de viagens, supermercados, empresas de leasing/renting de automóveis numa rede de 40 mil pontos de venda.