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José Almaça: "Fidelidade já custou 1,8 mil milhões à Fosun"

José Almaça, presidente da ASF, diz que o sector resistiu a todos os sobressaltos, tanto da crise económica e financeira, como da revolução regulatória de Solvência II.

18 de Abril de 2017 às 11:08
Bruno Simão
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Em 2016 o sector de seguros apresentou resultados líquidos de 162 milhões, com apenas três seguradoras a registar prejuízos. Em termos de solvência, segundo os dados provisórios, o sector terminou o ano com um rácio de SCR (Requisito de Capital de Solvência) de 147%, mais 19 pontos percentuais, enquanto o MCR (Requisito de Capital Mínimo) melhorou 31 pontos percentuais e anda à volta de 410%.

Em relação à agitação provocada pelo Montepio-Associação Mutualista, que detém a Montepio SGPS, "holding" de seguros que controla a Lusitânia Vida e Lusitânia, José Almaça diz que "as seguradoras do Montepio têm vindo a cumprir com os requisitos que são exigidos no âmbito da actividade seguradora".

Os ramos acidentes de trabalho e automóvel estão a crescer em termos de produção, mas quanto à rentabilidade continua a ser uma dor de cabeça?
Há recomposição das estruturas dos ramos com a diminuição do peso do ramo Vida que hoje vale só cerca de 63% e o ramo Não Vida 37%. Como esta nova distribuição o ramo automóvel representa apenas 35% do Não Vida e os acidentes de trabalho subiu de 12% para 15%. Com esta recomposição temos um sector sob o ponto de vista estrutural muito mais equilibrado do que no passado, quando o ramo Vida pesava 75%.

Os acidentes de trabalho já têm resultados técnicos positivos?
O ramo dos acidentes de trabalho funcionava com resultados técnicos negativos bastante elevados. Das 17 companhias que faziam acidentes de trabalho, 13 tinham resultados técnicos negativos. A ASF obrigou as companhias a fazerem um plano de reequilíbrio técnico, que terminou no final de 2016. Como temos em vigor um novo regime jurídico, só iremos receber o reporte completo a 20 de maio.
Os prémios nos últimos três anos têm crescido entre 8% e 12% e não é por fazer mais negócio mas sim pela correcção de preços. Associado a esse plano de reequilíbrio técnico, uma das medidas que tomámos foi obrigar as companhias a reportar até 15 de Fevereiro de cada ano os movimentos de carteira e os valores, o que ajudou a exercer um controle sobre essas alterações. Estamos no bom caminho mas não podemos dizer que o equilíbrio técnico existe em todas as seguradoras.

O ramo Vida diminuiu de dimensão, mas tem dificuldade em fazer face à baixa das taxas de juro, à fraca poupança, às regras de Solvência II, o facto de a banca precisar de depósitos. O que as seguradoras, pela sua parte, podem fazer para resolver esta situação?
Os PPR, que representam à volta de 13 mil milhões de euros, mantêm ainda o benefício fiscal à saída, o que tem feito com que a procura de PPR ainda se mantenha.
O negócio Vida tem de ser visto segundo três prismas. Um é de índole financeira que é a tendência e constância das baixas taxas de juro e nada prevê que se altere a política monetária tanto nos Estados Unidos como na Europa. Há um outro factor tem a ver com longevidade das pessoas e que levanta problemas em termos actuariais. A parte regulatória contribui para condicionar todo o negócio Vida. Pelas regras de Solvência II os produtos que vinham a ser negociados com taxas garantidas obrigam a ter mais cargas de capital, o que com taxas de juro baixas dificulta que haja retorno.

O que podem fazer as seguradoras e o Estado para estimular a poupança?
O que se fez nos últimos anos foi sobretudo produtos de capitalização. As seguradoras têm de inovar e criar produtos que combinem a capitalização e o risco. Temos um problema de poupança, que é de 4% e deveria ser 10 a 11%. Por isso os produtos inovadores das seguradoras deviam ser combinados com medidas de apoio fiscal incentivadoras da poupança.

Hoje os detentores das principais seguradoras são grupos internacionais, alguns com pouca tradição nos seguros. Há algumas que são sobretudo gestores de activos, como a Fosun. Isso faz aumentar o risco de reinvestimento dos activos?
Dizem que estes grupos estrangeiros compram as companhias e desatam a utilizá-las para os seus investimentos. A Fosun adquiriu 85% da Fidelidade por 1,1 mil milhões de euros à CGD. Entre Janeiro, o início do negócio, e Abril, que foi o "closing" da operação, ainda pagou mais 200 milhões de euros pela valorização da dívida pública. Como entendemos que a Fidelidade, sendo líder de mercado com uma quota de quase 30%, deveria cumprir com as regras de solvência II a 1 de janeiro de 2016 a Fosun meteu mais 500 milhões de euros. Portanto já colocou 1,8 mil milhões de euros, não recebeu dividendos e os activos estão todos na Fidelidade. Fazemos um acompanhamento muito de perto das companhias, não fazemos uma supervisão à distância. Se há algum problema as companhias vêm falar connosco antes de tomarem as decisões.

Que balanço faz da aplicação de Solvência II no conjunto dos seus três pilares? Quais têm sido os aspectos para focados como críticos no processo de Solvência II?
É um processo muito complexo. Em geral os três pilares estão a funcionar. Do acompanhamento que tem sido feito as seguradoras têm a noção dos riscos que correm. Este ano vamos começar a receber os primeiros ORSA [relatórios de auto-avaliação prospectiva dos riscos], que é uma ferramenta para que as seguradoras percebam o seu negócio. Não quer dizer que não o percebem, agora têm a obrigação de o perceber melhor.
Desde Janeiro um dos princípios que está subjacente ao processo de Solvência II é o princípio dos quatro olhos ou seja não há decisões nas seguradoras que não tenham de passar por duas pessoas para dar mais segurança, maior responsabilização e maior estabilidade ao funcionamento das seguradoras.

Um regulador entre Solvência II e o resgate de seguradoras

José Almaça está a quatro meses e meio do fim do seu mandato na presidência da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que, na altura em que tomou posse para o primeiro mandato em Setembro de 2012, se denominava Instituto de Seguros de Portugal. Quando chegou já existia o desafio de Solvência II e com data marcada para o seu início, 1 de janeiro de 2016. Este desígnio justificava "que se tivesse feito uma reestruturação interna profunda, para adaptar a estrutura do regulador ao Solvência II" diz José Almaça.

Desde 2008 que estão abrangidos pelas regras orçamentais, apesar de não dependerem das receitas do Orçamento de Estado, porque os fundos com que a ASF funciona provêm das quotas e das taxas cobradas às seguradoras. Mas a ASF não pode ser gerida de acordo com o que José Almaça queria pelas várias limitações impostas como restrições orçamentais, cortes nas remunerações da função pública, rescisões voluntárias de quadros seniores, cativações de verbas. Foi feita uma reestruturação minimalista, adaptou-se a instituição para os novos desafios e funcionou.

Uma das razões de queixa é a Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, conhecida com a lei-quadro das entidades reguladoras. Foi uma quase imposição da troika para dar autonomia aos supervisores e acabou por ter o efeito contrário. Foi feita para dar autonomia mas tirou por isso tinha "preferido ter ficado com o anterior estatuto".

Preferia ter ficado com o anterior estatuto das entidades reguladoras. José Almaça
Presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões


Segundo José Almaça englobou a ASF e a CMVM, enquanto reguladores financeiros, numa lei em que não se "encontra um único artigo a falar de supervisão financeira". Batalhou para que a ASF fosse tratada como o Banco de Portugal, por isso tem "alguma frustração por não ter conseguido evitar essa situação". Esta lei acabou por subalternizar a ASF e a CMVM em relação ao Banco de Portugal.

As principais dores de cabeça do seu mandato resultaram das "insuficiências, para não dizer falências, dos bancos que detinham companhias de seguros" refere José Almaça. "As decisões tomadas relativamente aos bancos não tiveram em conta as seguradoras que estavam dentro do grupo, o que nos criou grandes dificuldades para resolver" refere o presidente do regulador. Se não se tivessem resolvido também a ASF teria tido uns "indivíduos à porta a falar nos lesados das seguradoras" diz José Almaça.

No caso da Tranquilidade contou com a colaboração de Vítor Bento, então presidente do BES/Novo Banco, que "ajudou a resolver o problema", depois da resolução do BES a 3 de agosto de 2014. Ainda teve que solucionar algumas questões relacionados com os tentáculos no grupo GES no Luxemburgo e em outras paragens. A Açoreana, no dia seguinte à resolução do Banif de 20 de dezembro de 2015, tinha as contas congeladas. "Ninguém se preocupou se uma seguradora que estava dentro do grupo ficava com as contas congeladas" lamenta José Almaça. As duas seguradoras estão a funcionar, ambas resgatadas pelo grupo Apolo. 

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