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Considera que em termos europeus o sistema financeiro está hoje mais resiliente do que antes da crise. No entanto, sublinha que há novos riscos e vulnerabilidades, "tais como o possível impacto de uma súbita reavaliação dos prémios de risco nos mercados de capitais, como foi testemunhado pelo recente aumento da volatilidade e correcções de mercado associadas, as incertezas em torno dos termos da retirada do Reino Unido da UE e o potencial de disrupção de ataques cibernéticos".
Quais são os desafios que o Brexit coloca à regulação e ao negócio dos seguros e fundos de pensão europeus?
A saída do Reino Unido da União Europeia tem impactos a curto, médio e longo prazo. A curto prazo implica a perda do passaporte europeu para as empresas de seguros poderem efectuar negócio transfronteiras o que implica a criação de novas subsidiárias ou sucursais. Para este efeito, a EIOPA publicou um conjunto de princípios destinados a evitar arbitragem por parte dos supervisores nas autorizações relativas à relocalização das empresas britânicas no espaço da futura União Europeia (UE27).
Outro aspecto importante diz respeito à continuidade dos contratos existentes entre consumidores da UE 27 e empresas de seguros do Reino Unido e vice-versa.
O principal desafio na área seguradora, quer na Europa, quer em Portugal, passa pelo impacto das novas tecnologias nos modelos de negócio. Gabriel Bernardino
Presidente da EIOPA
Embora em nossa opinião os contratos permaneçam, em princípio, válidos, a EIOPA publicou uma Opinião sublinhando a importância das empresas de seguros tomarem em tempo útil as medidas necessárias para assegurar a continuidade de serviço aos respectivos clientes. As empresas de seguros devem estabelecer e pôr em prática planos de contingência para a eventualidade de não existir um acordo político na data do Brexit, por forma a garantir que os tomadores de seguros e os beneficiários não sejam expostos a incertezas desnecessárias no que se refere à situação dos seus contratos.
A médio e longo prazo os efeitos do Brexit dependem em grande medida do acordo político que venha a ser alcançado. No entanto, a cooperação estreita entre as autoridades de regulação e supervisão da UE 27 e do Reino Unido continuará a ser uma necessidade, quer para assegurar uma supervisão adequada dos riscos à escala europeia, quer no desenvolvimento de standards internacionais.
Quais são os principais desafios no presente e no futuro próximo na área dos seguros na Europa e em Portugal?
Julgo que o principal desafio na área seguradora, quer na Europa, quer em Portugal, passa pelo impacto das novas tecnologias nos modelos de negócio. Com efeito, tal como já aconteceu noutras actividades económicas, nos seguros a digitalização tem efeitos substantivos ao longo de toda a cadeia de valor, possibilitando o desenho de novos produtos, a utilização da chamada "big data" no processo de subscrição, novas maneiras de interagir com os clientes, gerir sinistros e optimizar custos.
Esta evolução, potenciada pelos avanços na área da inteligência artificial, cria enormes oportunidades mas também claros riscos de disrupção. Todas as empresas de seguros e intermediários têm assim de tomar a curto prazo decisões estratégicas relevantes quanto ao seu posicionamento e abordagem neste campo sob pena de perderem competitividade e deixarem de fornecer uma proposta atractiva aos seus clientes.
Uma das questões mais prementes é da tecnologia e a digitalização que tem impacto nos riscos (cibernéticos e tecnológicos) e nos consumidores (Big data, distribuição e protecção de dados, ética). Que impacto tem na supervisão? O excesso de regulamentação não pode matar a criatividade?
A tecnologia e a inovação são factores fundamentais no desenvolvimento de novos modelos de negócio na actividade seguradora, criando novas oportunidades mas também novos riscos. Neste sentido, a regulação e a supervisão têm de acompanhar esta evolução por forma a continuar a fornecer um quadro regulatório equilibrado e uma supervisão preventiva que assegure um elevado grau de protecção aos consumidores.
A posição da EIOPA nesta matéria é bastante clara: a regulação de seguros deve ser tecnologicamente neutra, não privilegiando determinados modelos de negócio. Ao mesmo tempo, a regulação não deve criar obstáculos artificiais que prejudiquem o efeito positivo que a inovação e as novas tecnologias podem ter na redução de custos e na construção de melhores produtos e serviços para os consumidores.
A crescente utilização de novas tecnologias em toda a cadeia de valor do sector segurador modifica o perfil de risco de cada entidade. Isto significa que a Autoridade de supervisão tem de dedicar uma atenção bem mais detalhada à integridade e resiliência dos sistemas de informação e aos possíveis riscos cibernéticos dos operadores, aspectos que requerem o recrutamento de recursos humanos com um perfil bastante diferente do tradicional.
Por outro lado, as autoridades de supervisão também começam a utilizar elas próprias novas tecnologias no seu processo de supervisão, incrementando a capacidade de análise da informação recolhida e tornando assim o processo mais eficiente.
A maratona da regulação europeia
"A convergência da supervisão europeia é uma maratona, não uma corrida de 100 metros", refere Gabriel Bernardino, chairman da EIOPA. Para o regulador europeu dos seguros e fundos de pensão, a convergência de supervisão é "a principal prioridade estratégica e para esse efeito tem vindo a desenvolver um conjunto de iniciativas estruturantes", pois cada Estado-membro tem a sua própria cultura, tradição e práticas de supervisão.
"A convergência de supervisão é um esforço conjunto da EIOPA e das autoridades de supervisão nacionais, englobando a construção de referências comuns de supervisão e a avaliação independente das práticas de supervisão nacionais por parte da própria EIOPA", explica Gabriel Bernardino.
Em Novembro do ano passado a EIOPA publicou um documento sobre as características chave de uma cultura comum de supervisão Europeia, no sentido de impedir a arbitragem regulamentar e salvaguardar um nível de protecção semelhante para todos os tomadores de seguros e beneficiários europeus.
Em Abril, a EIOPA publicou o seu Plano de Acção 2018-2019 para a convergência da supervisão europeia com áreas prioritárias de actuação:
1. Desenvolvimento de novos instrumentos comuns de supervisão, onde se incluem, por exemplo, o estabelecimento de benchmarks para a supervisão de modelos internos utilizados pelas empresas de seguros, o desenvolvimento de uma base comum para a avaliação dos riscos de conduta de mercado e o lançamento de uma revisão à escala europeia dos seguros de viagem.
2. Supervisão da prestação de serviços transfronteiriços, com especial atenção na detecção de modelos de negócio insustentáveis e na suficiência das provisões técnicas constituídas em linhas de negócio não-vida tais como os seguros de responsabilidade civil decenal e os seguros de negligência médica.
3. Supervisão dos riscos emergentes, englobando as práticas de supervisão destinadas a avaliar a resiliência dos sistemas de informação, a vulnerabilidade aos riscos cibernéticos e a utilização da big data por parte das empresas de seguros, bem como os riscos associados ao Brexit.
Um PEPP para a Europa
Hoje apenas 27% dos europeus, entre 25 e 59 anos, dispõem de um produto individual de reforma, e o PEPP (Pan-European Personal Pension Product) tem, por objectivo, "desbloquear este vasto potencial e impulsionar o investimento na economia Europeia", assinala Gabriel Bernardino. O chairman da EIOPA tem a expectativa de "que até ao final de 2018 possam existir condições para a respectiva aprovação". A proposta de regulamento de criação do PEPP está a ser discutida no Conselho e no Parlamento Europeus. Faz parte do plano de acção da Comissão Europeia para a criação de uma União dos Mercados de Capitais.
"O PEPP será um produto de poupança para a reforma de longo prazo, simples, transparente e eficiente em termos de custos, que irá oferecer aos aforradores europeus novas oportunidades de poupança individual e assim contribuir para colmatar o défice de poupança de longo prazo na União Europeia", resume Gabriel Bernardino.
Os players do mercado vão poder desenvolver novos produtos de poupança para a reforma de longo prazo para a União Europeia, com economias de escala para reduzir custos e melhores retornos para os aforradores. O PEPP pretende-se vocacionado para a venda através de canais digitais, para captação de novos clientes nos segmentos mais jovens da população.
Segundo Gabriel Bernardino, "a experiência da implementação de produtos semelhantes noutras regiões do globo tem mostrado que a iliquidez dos compromissos assumidos por estes produtos permite adoptar políticas de investimento com maior risco durante parte do período de vida activa do aforrador, investindo em activos menos líquidos e com maior potencial de retorno, reduzindo gradualmente o risco à medida que se aproxima a idade de reforma".
Assinala que a principal dificuldade pode estar na fiscalidade, por isso, adverte que "é essencial que os Estados-membros concedam ao PEPP um tratamento fiscal idêntico ao atribuído aos produtos nacionais de poupança".