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Gabriel Bernardino: Ponto crítico de Solvência II tem sido o governo das empresas

Os factores críticos na implementação do Solvência II dependem dos diferentes mercados, o mais comum a todos prende-se com o sistema de governação. Segundo Gabriel Bernardino, presidente da EIOPA, "nesta área, em que cultura empresarial tem um papel muito relevante, há ainda um longo caminho a percorrer".

21 de Março de 2017 às 10:39
Sara Matos
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Para Gabriel Bernardino, presidente da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma ) desde 2011 e com mandato até 2021, "a indústria seguradora Europeia apresenta-se, de forma geral, robusta e resiliente embora existam desafios significativos face ao cenário prolongado de baixas taxas de juro". Considera que a adaptação dos modelos de negócio tem vindo a ser efectuada de uma forma sustentada e que "o desenvolvimento e a aplicação do Solvência II deram um contributo significativo para a implementação de uma cultura de negócio baseada nos riscos".

Que balanço faz da aplicação de Solvência II no conjunto dos seus três pilares? Existem aspectos a rectificar ou a alterar? Quais têm sido os aspectos focados como críticos no processo de Solvência II?
Num cenário macroeconómico bastante difícil, a aplicação do Solvência II tem sido um sucesso, foi efectuada sem sobressaltos, fruto de uma preparação atempada e de adequados períodos de transição.

O novo sistema, através dos seus três pilares, modifica substancialmente a regulação do sector. Nesse sentido, a Directiva Solvência II prevê dois períodos específicos para a respectiva avaliação e eventuais ajustamentos. Em 2018 a revisão do cálculo do requisito de capital de solvência e em 2021 a revisão geral do regime, incluindo os mecanismos relativos às garantias a longo-prazo. A EIOPA já iniciou os trabalhos de revisão, através da publicação de um documento de discussão pública.

Os factores críticos na implementação do Solvência II são distintos em diferentes mercados. No entanto, em geral, um ponto crítico de implementação prende-se com a necessidade de dotar a empresa de um efectivo sistema de governação que integre considerações ligadas ao risco e ao capital nas tomadas de decisão estratégicas da empresa. Nesta área, em que a cultura empresarial desempenha um papel muito relevante, há ainda um longo caminho a percorrer.

O facto de se viverem tempos de grande incerteza (política, social, cultural, económica) com baixo crescimento económico, baixas taxas de juro a longo prazo e a digitalização, que impacto podem ter na aplicação e evolução de Solvência II?
O ambiente de incerteza torna ainda mais importante a aplicação do Solvência II. Só um regime de capital baseado nos riscos pode capturar de forma adequada os níveis de volatilidade nas diferentes variáveis e fomentar o desenvolvimento de produtos e estratégias de negócio sustentadas. Neste contexto, torna-se particularmente relevante o processo de auto-avaliação do risco e da solvência por parte da empresa de seguros, o qual deve permitir identificar e avaliar correctamente os riscos com que esta se defronta não só a curto mas também a médio e longo prazo.

Assim, a auto-avaliação do risco e da solvência deve ter em consideração elementos como o baixo crescimento económico, o ambiente de baixas taxas de juro a longo prazo e os fenómenos do crescente uso de novas tecnologias e digitalização como parte integrante das decisões estratégicas da empresa.

A digitalização da economia diz-se que vai obrigar a repensar os modelos de negócio das seguradoras, o modelo de relacionamento com os consumidores, e o suporte tecnológico das várias componentes da cadeia de valor do sector. É possível uma Uber dos seguros, como se comumente diz?
A digitalização e a crescente aplicação de novas tecnologias é uma realidade em todos os sectores da sociedade e no sector segurador o potencial de impacto é significativo em toda a cadeia de valor. Estamos já hoje a assistir ao desenvolvimento de novos modelos de negócio, diferentes formas de intermediação e novas ferramentas de gestão de sinistros, que tiram partido do incremento do poder analítico e da quantidade de dados pessoais disponíveis, da digitalização de processos e da crescente conectividade.

A inovação introduzida pode ser benéfica para o consumidor, através da disponibilização de produtos e serviços mais adequados às suas necessidades, mas também para as empresas de seguros, através da implementação de processos mais eficientes que reduzam os custos operacionais.

Ao mesmo tempo, também existem novos riscos que urge avaliar e gerir adequadamente, tais como os padrões éticos no uso dos dados pessoais, o potencial de exclusão de determinados consumidores em função das suas características e os riscos cibernéticos associados aos elevados volumes de informação detidos pelas empresas de seguros.

Em minha opinião a regulamentação deve tratar de forma neutral os diferentes modelos de negócio, sendo essencial desenvolver um quadro regulamentar equilibrado que permita fornecer um elevado nível de protecção dos consumidores sem criar obstáculos desnecessários à inovação.

Em suma, o potencial para a "uberização" dos seguros existe e em minha opinião as barreiras existentes, embora significativas, não são intransponíveis. No essencial, o segredo estará na criação de modelos de negócio mais eficientes que forneçam um melhor serviço ao cliente e em que este reconheça uma melhor experiência. 

Seguradoras em Portugal recorreram muito às medidas transitórias

O presidente do regulador europeu, a EIOPA, considera que é essencial o acompanhamento dos impactos futuros decorrentes da amortização gradual dos efeitos da adopção do regime de Solvência II, face à ampla utilização das medidas transitórias.

Gabriel Bernardino considera que "as empresas de seguros em Portugal apresentam uma situação de solvência em linha com os requisitos regulamentares" mas realça "a elevada utilização das medidas transitórias previstas no Solvência II", o que torna "essencial o acompanhamento dos impactos futuros decorrentes da amortização gradual dos efeitos desta medida".

Na sua análise mais detalhada refere que a redução significativa da produção está relacionada com os baixos níveis de poupança da população e com a pouca atractividade dos produtos em consequência das baixas taxas de juro. "O risco de reinvestimento dos activos continua a ser significativo, devendo as políticas de investimento continuar a ser sujeitas a um escrutínio detalhado devido ao possível impacto nos requisitos de solvência de uma degradação na qualidade creditícia dos investimentos" refere Gabriel Bernardino.

Nos ramos não-vida, nomeadamente automóvel e acidentes de trabalho, sublinha que "é fundamental continuar a reforçar as medidas destinadas ao restabelecimento do equilíbrio técnico sem o qual a solvabilidade do sector estará comprometida a curto prazo". Por sua vez em relação ao impacto das mudanças accionistas diz que "é essencial assegurar que todas as empresas de seguros dispõem de sistemas de governação efectivos e adequados e que as políticas de investimento são norteadas pelo exclusivo interesse dos tomadores de seguro e beneficiários".

Informação normalizada aos consumidores

Na protecção dos consumidores segundo a Insurance Europe uma venda em seguros vai passar o número de "disclosures" de 52 para 119, tendo a informação de ser fornecida em papel. Para Gabriel Bernardino, por causa da "elevada assimetria de informação entre as empresas e os consumidores, o sector segurador está efectivamente sujeito a um elevado conjunto de requisitos de transparência, essenciais para a protecção do cliente". Porém, na sua opinião, "é necessário simplificar e optimizar este quadro regulamentar, tornando a informação a fornecer aos consumidores mais estandardizada e comparável. A digitalização pode ser um aliado fundamental nesta evolução".

Refere como exemplo desta tendência a recente publicação pela EIOPA de um documento de informação normalizado que fornece aos consumidores da União Europeia informações concisas, simples e comparáveis sobre os produtos de seguros não vida, "num formato simples e fácil de entender, através de perguntas e respostas, com um 'layout' já ajustado para os dispositivos móveis" salienta Gabriel Bernardino. 


Os filmes sobre seguros

Gabriel Bernardino é um cinéfilo e fez um guia de filmes em que há uma personagem que trabalha em seguros ou aborda facetas do sector segurador como o seu preferido Double Indemnity de Billy Wilder, ou The Apartment (1960) de Billy Wilder, Kafka (1991) de Steven Soderbergh, The Rainmaker (1997) de Francis Ford Coppola e About Schmidt (2002) de Alexander Payne.

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