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Os cenários de incerteza para a indústria de seguros

É expectável um abrandamento económico significativo. O impacto será mais intenso na venda de produtos de poupança com maior risco financeiro e em ramos não vida ligados à atividade económica.

05 de Maio de 2020 às 12:30
José Gonçalves, da Prévoir-Vie, antecipa uma redução na procura de produtos de seguros. DR
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A segunda década do século XXI, que começou com uma crise financeira e está a terminar com uma crise sanitária de profundos impactos económicos e financeiros, tem sido marcada por um longo inverno das taxas de juro baixas na Europa e nos Estados Unidos.

Mas é a conjugação entre as taxas de juros baixas e os efeitos da crise pandémica de covid-19 que cria, como refere Nelson Machado, CEO Vida e Pensões do Grupo Ageas Portugal, um "contexto incerto e imprevisível, em que não podemos afirmar com segurança quais serão os impactos específicos, por isso temos de equacionar várias possibilidades".

Estes cenários prospetivos têm como determinantes a evolução da pandemia e da situação epidemiológica e a resposta que os diferentes agentes económicos darão neste contexto para tentar estimar o impacto na economia como um todo e por consequência no negócio dos seguros.

"Sabemos que as consequências económicas desta crise afetarão de forma diferente o ramo vida e o ramo não vida, razão pela qual estamos a considerar impactos distintos para os dois ramos com base nas tendências e na mudança de paradigma dos mesmos (por exemplo, mudanças evidentes na distribuição de seguros e nos canais mais procurados pelos clientes, na procura por produtos com maior risco financeiro, etc.)", diz Nelson Machado.

Poupança e risco

Da análise feita pela seguradora Ageas infere-se que o impacto será mais intenso na venda de produtos de poupança que tenham maior risco financeiro, por oposição a produtos com maiores garantias, tendo em conta o perfil dos clientes portugueses. Estes, em geral, são bastante avessos ao risco e têm uma taxa de poupança muito baixa quando comparados com clientes de outros países europeus.

"É expectável que venhamos a ter um abrandamento económico significativo, com reflexo em todos os setores de atividade e naturalmente abrangendo o setor de seguros. Assim sendo, no geral perspetiva-se uma desaceleração do crescimento da produção de vida como um todo", assinala Nelson Machado.

"Este contexto de taxas de juro baixas tem repercussões imediatas sobre a rentabilidade do portefólio de investimentos, em grande parte alocado a instrumentos financeiros de dívida (pública e obrigações), e na avaliação das responsabilidades, cujo valor descontado é calculado com base nas taxas de juro de médio e longo prazo", refere João Lapa Pereira, consultor da i2S.

Adianta que, "no caso particular das seguradoras do ramo vida, há maiores dificuldades no cumprimento das garantias contratuais no que se refere aos produtos com taxa de juro mínima garantida".

Efeitos no ramo vida

Na opinião de João Lapa Pereira, o efeito pandémico da covid-19 vem agravar ainda mais o cenário. Em termos de indemnizações, as seguradoras poderão não ser muito afetadas dado que o risco pandémico, em muitos casos, está excluído, mas os investimentos, sobretudo do ramo vida, terão a sua rentabilidade bastante afetada com perdas significativas devido à quebra acentuada nos mercados financeiros.

João Lapa Pereira aponta ainda que o impacto afeta principalmente as seguradoras de vida, na componente do investimento que visa dar cobertura aos produtos com garantia de taxa. "Importa referir que, na prática, as perdas serão na íntegra absorvidas pelas seguradoras, sendo os clientes penalizados apenas na parte da participação nos resultados que seria expectável em condições normais de funcionamento dos mercados financeiros".

Por sua vez, a interrupção da atividade económica, os eventuais encerramentos de empresa e a quebra de atividades vão afetar sobretudo as seguradoras não vida.

Juros e seguros

Para José Gonçalves, diretor contabilístico-financeiro da Prévoir-Vie, o impacto da pandemia pela covid-19 vai-se fazer sentir. "As taxas de juro dos países periféricos da Zona Euro estão a subir bastante. A curva de taxas de juro sem risco, como a da Alemanha, está plana ou até invertida, o que só acontece em cenários de crise."

A quebra do PIB é prevista por diversos organismos, como o FMI, que aponta para uma queda de 8% do PIB em Portugal, "o que terá impacto na redução da procura de produtos de seguros, quer de capitalização quer de puro risco", diz José Gonçalves.

As consequências nos seguros ou garantias de puro risco estão dependentes, segundo José Gonçalves, "do choque, que ainda está por determinar, ao nível da mortalidade e da morbilidade. Os resseguradores terão um papel importante sobre esta matéria e que, de alguma forma, já se começa a fazer sentir".

Por outro lado, os seguros de vida risco e os seguros de saúde "poderão sofrer alterações como, por exemplo, excluir ou ter garantias específicas para os riscos pandémicos. Ao nível dos ramos técnicos, as garantias de lucros cessantes poderão vir a ser repensadas no que à abrangência destes riscos diz respeito".

Nos seguros de capitalização, pode acentuar-se, ainda mais, a opção por se comercializarem seguros do tipo unit linked, defende José Gonçalves. Admite que possam ser estabelecidos mecanismos, como aliás já está a acontecer, que possibilitem e facilitem os resgates ou reembolsos subjacentes a planos de pensões e de reforma quando ocorrerem surtos pandémicos.

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