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Com toma lá dá cá, o contágio de VIH tombou

O Programa de Troca de Seringas, disponível numa farmácia perto de si, foi lançado em 1993 e evitou milhares de infecções pelo vírus da sida. Foram distribuídas 51 milhões de seringas. A poupança pode ter chegado a 2.000 milhões de euros.

01 de Julho de 2015 às 11:37
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Duas seringas, um preservativo, dois filtros, água, toalhetes, caricas e ácido cítrico. São estes os ingredientes do "kit" de prevenção da sida que é distribuído, desde 1993 - com um ligeiro interregno entre 2012 e 2014 - em cerca de 1.500 farmácias portuguesas. Uma iniciativa da Associação Nacional de Farmácias (ANF), em conjunto com a então Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, que foi considerada um "case study" a nível internacional que chega a finalista do prémio Saúde Sustentável.

A ideia de intervir a montante do problema partiu de Odette Ferreira, pioneira da investigação da sida em Portugal, que em 1993 chefiava a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida. "A professora Odette Ferreira (CNSIDA) teve a percepção que uma das formas de travar a transmissão entre os utilizadores de drogas injectáveis era através da criação de um programa que lhes permitisse ter acesso a material esterilizado, nomeadamente seringas e agulhas, para impedir que houvesse partilha de materiais", explica ao Negócios Anabela Madeira, que lidera o projecto na ANF.

Este ano, depois de ter deixado de contar com as farmácias em 2012, o Programa de Troca de Seringas volta a ter a participação de 1.356 farmácias, que garantem uma cobertura de Norte a Sul (sem ilhas) e regista pelo menos duas farmácias aderentes em cada concelho. Além das farmácias, é possível trocar seringas nas farmácias, noscentros de saúde e junto de mais de 40 organizações não-governamentais, um pouco por todo o país.

A ANF lançou em 1993 o programa de troca de seringas, e o kit que é distribuído foi sendo adaptado até ao actual, de cor verde. Na sede, em Lisboa, com 200 funcionários, há pessoas dedicadas a criar manuais de orientação para as farmácias e outras que tiram dúvidas em tempo real aos associados. 


O programa assenta no princípio "troca por troca": o kit é entregue a toxicodependentes que vão à farmácia devolver seringas que já tenham usado. Dessa forma, conseguem-se dois objectivos, conta Anabela Ferreira: por um lado, os utilizadores de drogas podem utilizar material novo e esterilizado, livre de infecções; por outro, ao devolverem as seringas, elas não são abandonadas "nos locais públicos, no lixo, nas praias, que eram locais onde o material usado aparecia muito" nos anos 1990. E mesmo que não se leve seringas para troca, elas são entregues - até um máximo de dois kit por pessoa.

Anabela Madeira, com quem o Negócios conversou num dos cantos do Museu da Farmácia, que funciona na sede da ANF, junto ao miradouro de Santa Catarina, em Lisboa, considera que se trata de um programa "pioneiro" a nível europeu, porque as experiências que se fizeram noutros países não tinham a cobertura nacional que existiu em Portugal - precisamente pelo facto de as farmácias se terem associado ao projecto.

No Museu da Farmácia, na sede da ANF, é ainda possível observar as campanhas de incentivo ao uso do preservativo das últimas duas décadas, com o objectivo de combater a sida, algumas delas protagonizadas por figuras públicas.

Poupança de milhões e redução de infecções
E que resultados teve este programa de troca de seringas? Anabela Madeira explica que, de acordo com o único estudo que foi feito, em 2002, concluiu-se que foram evitadas sete infecções por VIH por cada 10 utilizadores de drogas injectáveis. Anabela Madeira conta que, só em custos directos com o tratamento destes potenciais infectados, a poupança para o erário público ascendeu a 400 milhões de euros.

Humberto Martins é o director da área profissional da ANF


Mas as poupanças não se ficam por aí: não foram considerados os riscos de transmissão do vírus por via sexual - o kit traz um preservativo que também ajudou a limitar os contágios. Nem foram contabilizadas as infecções do vírus da hepatite C. Se tivessem sido considerados, a poupança deste programa poderia ascender a dois mil milhões de euros. E estes resultados são apenas relativos aos primeiros oito anos do programa - 1993 a 2001!

Acresce que, em 1996, 60% dos novos casos de infecção por VIH eram protagonizados por utilizadores de drogas injectáveis - uma cifra que caiu para meros 6,9% em 2013.

Razões suficientes para que Sílvia Rodrigues, vogal da direcção da ANF, considere que esta iniciativa seja "frequentemente citada internacionalmente como um exemplo". É que, nota, "em 1998 havia na Europa mais de 300 programas similares, mas 43% dos postos de troca de seringas eram em Portugal", o que dá uma ideia da abrangência do programa português.

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