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A exclamação utilizada por Arquimedes de Siracusa, “eureka!” passou a ser a expressão utilizada para descrever o momento em que o engenho humano encontra a solução de um problema. A criatividade é a centelha que dá início ao processo de inovação. É a capacidade de olhar para além do conhecido, de questionar o status quo, de sonhar com possibilidades novas e diferentes. É a criatividade que nos permite imaginar produtos, serviços ou soluções que podem preencher uma lacuna no mercado ou na sociedade, melhorar algo existente ou mesmo transformar completamente a maneira como vivemos ou trabalhamos.
Mas a criatividade por si só não é suficiente para levar uma ideia do conceito à realidade. É aqui que entra em cena a disciplina. A disciplina envolve a diligência, a atenção aos detalhes, a capacidade de planear e executar um projeto de forma eficaz e eficiente. A disciplina é o que permite que uma ideia criativa seja testada, repetida, aperfeiçoada e, finalmente, implementada.
A inovação é o resultado da intersecção entre a criatividade - o dom de sonhar com o novo - e a disciplina - a habilidade de tornar esses sonhos realidade. É um processo contínuo, que requer a capacidade de imaginar e de executar.
Assim, inovar não significa simplesmente ter uma ideia brilhante, mas sim ter a tenacidade e a persistência para transformar essa ideia em algo concreto. Requer uma combinação equilibrada de criatividade e disciplina - um reconhecimento de que as ideias, por mais revolucionárias que sejam, são apenas o início. A verdadeira inovação ocorre quando essas ideias são transformadas em realidade, quando são aplicadas de forma que tenham um impacto positivo no mundo ao nosso redor. E isso é algo que só pode ser alcançado através da união da criatividade e da disciplina.
Os conceitos de criatividade e disciplina, bem como a sua relação com a inovação, são amplamente discutidos na literatura de negócios e gestão. Embora muitos autores e pensadores tenham contribuído para esse campo Peter Drucker terá sido dos mais influentes. Conhecido como o “pai da gestão moderna”, Drucker escreveu extensivamente sobre a inovação. Embora não tenha falado especificamente sobre a conexão entre criatividade e disciplina, enfatizou a ideia de que a inovação deve ser sistemática e disciplinada. “Existe muita confusão sobre a definição adequada de empreendedorismo. Alguns observadores usam o termo para se referir a todas as pequenas empresas; outros, para todos os novos negócios. Na prática, muitas empresas bem estabelecidas envolvem-se em empreendimentos altamente bem-sucedidos”, defende Drucker. Para o autor, o termo não se refere ao tamanho ou a idade de uma empresa, mas a um certo tipo de atividade. “No centro dessa atividade está a inovação: o esforço para criar uma mudança intencional e focada no potencial económico ou social de uma empresa”.
Os conceitos de criatividade
Clayton M. Christensen, foi professor de Harvard, e é conhecido pelo seu trabalho em inovação disruptiva, acreditando que a inovação exigia não apenas ideias criativas, mas também a capacidade de as executar de forma eficaz.
Já Tom e David Kelley, os irmãos Kelley, da IDEO, uma agência de design global, escreveram vários livros sobre inovação, incluindo “Creative Confidence”, onde defendem a abordagem do denominado ‘design thinking’, que equilibra a geração de ideias criativas com a execução disciplinada.
Também Eric Ries, autor de “Lean Startup”, fala sobre a importância de combinar a criatividade com a disciplina num ambiente de negócios. A metodologia Lean Startup incentiva a experimentação rápida e iterativa, com uma disciplina rigorosa para aprender e ajustar.
Impossível não mencionar Steven Pressfield que embora não seja um autor de negócios per se, o trabalho de Pressfield sobre o processo criativo, particularmente no seu livro “The War of Art”, fala sobre a necessidade de disciplina para superar a resistência e produzir trabalho criativo.
A inovação de forma integrada
As grandes consultoras não deixam escapar este conceito de criatividade e inovação. A McKinsey Design aborda a inovação e a criatividade de maneira integrada e centrada no ser humano, utilizando o ‘design thinking’ como metodologia principal, que é um processo de resolução de problemas que envolve a empatia pelo utilizador, a definição do problema, a ideação, a prototipagem e o teste. A consultora defende que esta abordagem ajuda as organizações a desenvolver soluções inovadoras que se alinham estreitamente com as necessidades e desejos dos utilizadores finais.
A criatividade é uma parte integrante desse processo. A etapa de ideação, por exemplo, envolve a geração de uma ampla variedade de ideias criativas para resolver o problema definido. Ao mesmo tempo, a McKinsey Design enfatiza a importância de trazer uma mentalidade criativa para todas as partes do processo, não apenas para a ideação. Por exemplo, a empatia pelo usuário também pode exigir pensamento criativo, pois envolve imaginar a perspetiva e a experiência de outra pessoa.
Já para a Accenture Interactive, a inovação não é apenas sobre tecnologia, mas também sobre a criação de experiências novas e envolventes que possam surpreender e encantar os utilizadores. A consultora usa o design thinking como uma abordagem para entender profundamente as necessidades e desejos dos utilizadores e gerar soluções criativas e centradas precisamente nesses utilizadores. A criatividade é um componente-chave nessa abordagem. A Accenture Interactive reconhece que o desenvolvimento de experiências digitais de última geração exige o pensamento fora da caixa e a geração de ideias que podem desafiar o status quo. A empresa encoraja uma cultura de experimentação e aprendizagem, onde as ideias criativas podem ser testadas, refinadas e implementadas rapidamente.
Inovar, criando
A pergunta impõe-se: há inovação sem criatividade? A criatividade é um elemento fundamental para a inovação, pois é através do pensamento criativo que surgem novas ideias e abordagens. No entanto, é possível argumentar que existem certos tipos de inovação que podem ocorrer sem uma contribuição significativa de criatividade no sentido tradicional.
Por exemplo, a inovação incremental, que envolve fazer melhorias ou refinamentos em produtos, serviços ou processos existentes, pode não exigir o mesmo nível de pensamento criativo que a inovação disruptiva ou radical. Em vez disso, a inovação incremental pode depender mais da análise, da resolução de problemas e da implementação eficaz.
Além disso, certas formas de inovação podem resultar da aplicação rigorosa de métodos e processos estabelecidos. Na já mencionada metodologia Lean ou Six Sigma, a inovação pode ocorrer através da identificação e eliminação sistemática de ineficiências em processos existentes.
Em casos como esses, a criatividade ainda desempenha um papel. Mesmo a inovação incremental requer a capacidade de ver as coisas de uma perspetiva diferente e de imaginar maneiras melhores de fazer as coisas. E a aplicação eficaz de metodologias como Lean ou Six Sigma requer a habilidade de pensar criticamente e de resolver problemas, ambas formas de pensamento criativo.
Embora seja possível ter inovação sem um alto grau de criatividade no sentido tradicional, a criatividade de alguma forma é quase sempre uma parte necessária do processo de inovação. A inovação é, em última análise, sobre encontrar novas maneiras de fazer as coisas, e isso requer a capacidade de pensar além do status quo, que é o cerne da criatividade.