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Retalho bancário em mudança acelerada

A tecnologia, a inovação, a regulação, o cliente e a rentabilidade são as forças interligadas que estão a mudar a banca de retalho de uma forma profunda.

Filipe S. Fernandes 16 de Maio de 2019 às 15:00
Luís Barbosa diz que a transformação digital é fundamental para o crescimento do sistema financeiro não regulado. DR
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O mercado está mais ativo, volátil, competitivo, em que os fatores críticos de sucesso são "estar mais atento, ser mais ágil e atuar de modo mais estratégico", refere Luís Barbosa, Financial Services Risk and Regulation Partner da PwC. O cliente é cada vez menos fiel, está mais propenso à mudança, com mais informação e com menos tolerância a demoras e burocracias. Por isso, "é importante assegurar uma combinação ótima entre o reforço contínuo das relações pessoais, a banca é um negócio de relacionamento e de adaptação a um mundo cada vez mais digital", remata Luís Barbosa.

"A tecnologia e a inovação procuram moldar a oferta e a atuação dos bancos ao perfil e expectativas dos seus clientes, trazendo a conveniência que tanto procuramos no nosso dia a dia e/ou reforçando o nível de eficácia e eficiência operacional (tão relevante para a redução de métricas como o cost-to-income)", explica Luís Barbosa.

Rentabilidade contida

Um dos impactos fortes no negócio bancário em geral é a "contida rentabilidade, num quadro de reforço das exigências de capital", como diz Luís Barbosa, que pode condicionar a capacidade de investimento no próprio negócio, "adiando decisões estratégicas ou optando por soluções táticas que, porém, não revelam a mesma eficácia".

O partner da PwC prevê que e evolução tecnológica e a inovação correspondam aos desejos e expectativas dos clientes e permitam "a quem opera no mercado um reforço dos seus níveis de rentabilidade, sem que tal colida com o cumprimento da regulamentação exigível".

É importante assegurar uma combinação ótima entre o reforço contínuo das relações pessoais, a banca é um negócio de relacionamento e de adaptação a um mundo cada vez mais digital. Luís Barbosa
Financial Services Risk and Regulation Partner da PwC

A última crise financeira global levou a uma revisão profunda da regulação e da supervisão para prevenir a reincidência de riscos, designadamente de natureza sistémica. Foi uma forma de "aumentar a resiliência dos bancos, proteger o consumidor e promover a estabilidade do sistema financeiro", assinala Luís Barbosa.

Mas a regulamentação, pela sua extensão e complexidade, exigiu das instituições um esforço significativo, tanto no seu acompanhamento, compreensão, ajustamento dos seus processos e procedimentos, como na monitorização da sua compliance. Inclui ainda, a capacidade de adaptação organizacional, com mudança da cultura interna instituída, conclui Luís Barbosa.

A regulação massiva

Apesar da avalanche de legislação e de novos requisitos num curto espaço de tempo, a banca está hoje melhor preparada para enfrentar os desafios do futuro. "Mais e melhor capitalizada, com reforçados mecanismos de governo interno, a funcionar com o devido desafio e conhecimento da realidade da banca, com um apetite ao risco devidamente definido e a nortear a estratégia a operacionalizar, com uma gestão proativa do capital e da liquidez, maior integração das práticas de gestão de risco e de negócio (tendo colocado a agenda do risco nos planos de negócio), preocupada com o impacto possível da materialização dos riscos não financeiros (modelo, IT, outsourcing, compliance), olhando para o presente e a preparar-se para um futuro possivelmente mais adverso (stress), que melhor informa os seus clientes e assegura o alinhamento entre o seu perfil de risco e de consumo, entre outras dimensões relevantes", analisa Luís Barbosa.

Subsistem ainda questões relevantes a serem melhor clarificadas, como é o caso do princípio da proporcionalidade, ou a suscitarem a devida atenção dos bancos, com destaque para a revisão estrutural do modo como os dados são geridos e "governados" pelas instituições ou da necessidade de upgrade dos seus sistemas fonte.

A aliança com as fintechs

O paradigma do negócio bancário mudou. Assiste-se à transição do tradicional comercializador face-to-face ao comercializador (ou parceiro) digital como mostra a redução do número de agências bancárias em Portugal, o que tem impacto organizacional, nos sistemas de informação, no tratamento dos dados disponíveis, na filosofia de trabalho dos colaboradores, na cultura interna e, claro está, na política de investimento.

Como resposta a este cliente que quer ter o contacto do banco à mão surgiram as fintechs desafiadoras, que "têm inovado precisamente na relação que pretendem estabelecer com o novo perfil de cliente, recorrendo a plataformas e soluções que trazem uma experiência diferenciada nos serviços financeiros em termos de prontidão na prestação de informação, de celeridade (e completude) de resposta, de antecipação ou mesmo de fomento de necessidades de consumo, numa relação que se mantém igualmente bilateral (e crescentemente customizada)".

Mas para Luís Barbosa há um espaço de confluência entre a banca e as fintechs "no desenho de um modelo de negócio mais flexível, eficiente, dinâmico e alinhado com as necessidades efetivas dos clientes, num quadro de contínuo reforço da robustez das instituições e do rigor e ética das suas práticas de negócio. A concorrência crescente fará o mercado evoluir neste sentido e o sucesso a médio prazo dependerá da capacidade de adaptação a esta mudança, onde múltiplas opções de escolha, nem todas certamente sustentáveis, estão à disposição".

O sistema financeiro não regulado 

A transformação digital é uma componente crítica para sustentar o crescimento do sistema financeiro não regulado, o que faz da dimensão tecnológica um fator decisivo. São aspetos chave na sustentação do sistema financeiro não regulado tanto a construção de uma relação de confiança como "a segurança, nas suas dimensões de eficácia e proatividade, na realização das transações, a guarda efetiva de informação pessoal, a performance e tempestividade de atuação, assim como a capacidade de proporcionar uma adequada experiência do consumidor", diz Luís Barbosa.

Mas adverte que "a reputação e a sustentabilidade do sistema financeiro não regulado não deixarão de estar intimamente associadas a possíveis eventos de perda materiais para os seus participantes e da compreensão da substância económica, comportamental e ética que presidiu a essa mesma perda, track record e gestão de imagem ", e "até comportamentos desviantes danosos".

Por isso Luís Barbosa antecipa que por autorregulação ou intervenção do sistema legislativo, "esta natureza não regulada venha no futuro a apresentar limites mais contidos. Este cenário deverá ser visto como uma trajetória a criação de uma imagem de confiança (credibilidade ou afirmação) ".


A revolução do open banking

"O open banking, proporcionado sobretudo pela PSD2, conhecida como a diretiva dos pagamentos, é uma autêntica revolução", refere Luís Barbosa, Financial Services Risk and Regulation Partner. Considera que tem impacto, porque o cliente pode obter, num único interface, dados gerais de contas bancárias abertas junto de vários bancos e tomar conhecimento de vários serviços e produtos bancários, através de informação comparável.

Cada banco geria no passado a informação no seu site e domínios, com recurso a API (Application Programming Interfaces), muitas vezes diferenciadas. Com o open banking, o cliente bancário tem acesso a informação comparável, em tempo real. A inovação prende-se sobretudo com o ajustamento e a adaptabilidade desses dados, que até então eram do domínio exclusivo de cada banco, às características e necessidades do utilizador.

As API, que albergam essa informação, podem ser de um prestador de serviços terceiro que, através do open banking, que tem acesso aos dados relevantes junto dos vários bancos.

Como refere Luís Barbosa, "já se utilizam hoje API noutros âmbitos, por exemplo, quando consultamos um site que agrega informações de viagens ou hotéis. É, no fundo e de modo simplificando, uma ferramenta que interage com vários sistemas, recolhendo dados e disponibilizando informação em tempo real aos seus utilizadores".

Marketplace banking

"Esta tecnologia é disruptiva face ao atual modelo de negócio da banca", afirma Luís Barbosa. Um dos principais efeitos da diretiva dos pagamentos é a comparabilidade. Por exemplo, apesar de os serviços e os produtos poderem ser comparáveis, era difícil ao cliente obter todos os elementos para, de uma forma eficiente e eficaz, fazer essa comparação, sobretudo, quanto aos custos de serviços e produtos, aos riscos e aos retornos possíveis.

Segundo Luís Barbosa vai contribuir para que a banca encontre outras formas de diferenciação no quadro concorrencial do futuro. O partner da PwC sublinha que "já se fala no marketplace banking, o qual, fruto desta elevada transparência, levará a que as várias entidades financeiras compitam para apresentar o melhor serviço e os melhores produtos, com um foco crescente no interesse do cliente."

Já quanto aos produtos de reforma pan-europeus (PIRPE), que conheceram desenvolvimentos nos últimos meses, Luís Barbosa caracteriza-os como "um produto interessante que aumenta a possibilidade de escolha dos clientes que procuram soluções de poupança. São, tendo em conta a informação disponível para já, produtos simples e semelhantes aos PPR que existem em Portugal". Entre as principais vantagens para o cliente bancário, destaca-se a variedade de opções, a portabilidade para qualquer Estado-membro da UE, a facilidade de alterar os prestadores, a existência de um cap para os custos e a transparência que se pretende dar à informação que chegará às mãos dos clientes.
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