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Os senadores dos negócios: tempos de mudança

Está-se numa era em que já escasseiam os líderes empresariais com influência social, política e empresarial e tardam em impor-se os novos valores. Destes espera-se que sejam capazes de perceber a gestão como uma actividade orientada não só para o lucro, mas para criar benefício comum e efeitos positivos.

18 de Maio de 2016 às 11:49
Pedro Elias
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Durante alguns anos Belmiro de Azevedo, Alexandre Soares dos Santos, Artur Santos Silva, Jorge Jardim Gonçalves, Américo Amorim, Luís Portela, Ricardo Salgado, Horácio Roque, Joe Berardo, Pedro Ferraz da Costa, Zeinal Bava e Manuel Ferreira de Oliveira exerciam como senadores das empresas e dos negócios, por um lado, e como ícones do sucesso empresarial por outro. As suas vozes e a suas opiniões faziam-se ouvir, o que diziam era discutido na praça pública. Por várias razões como a idade, o insucesso empresarial, e a morte deixaram de ter o mesmo peso e parecem não ter sido substituídos. Mas hoje vive-se, como refere Soledade Carvalho Duarte, "managing partner" da Invesco Transearch, "numa espécie de estado confusional" pois "atravessamos um momento ímpar na história da vida empresarial portuguesa, pois a implosão de alguns grupos/empresas que durante décadas foram admirados e fizeram 'escola', dão uma nota menos positiva ao panorama empresarial português". Das grandes empresas com gestores mediáticos, resta António Mexia que lidera a EDP desde 2005.

A existência de líderes empresariais com influência social, política e empresarial é importante "se actuarem como verdadeiros senadores, capazes de terem um efeito integrador e de articularem, interesses de uma forma equilibrada", previne Miguel Pina e Cunha, professor na Nova School of Business and Economics, que acrescenta: "Capazes de terem um efeito integrador e de articularem interesses de uma forma equilibrada. O peso da experiência continua a contar. Se não se virem como chefes de clã - no sentido nepotista do termo. Um bom senador traz conhecimento tácito, respeitabilidade e pode temperar os ímpetos dos jovens turcos. Mas deve respeitar e apreciar a juventude e a novidade. Um senador usa a sabedoria mais do que a idade."

Por sua vez, Soledade Carvalho Duarte considera que "a existência de líderes empresariais (e não só) é de suma importância em todos os contextos, pois como o próprio nome indica ajudam-nos a ter referências e, de alguma forma, inspiram as gerações pelos seus testemunhos de vida".

A crise da reputação empresarial

Mas a reputação empresarial não vive momentos felizes. A crise económica e o seu cotejo de falências, os apoios do Estado à banca, as acusações de corrupção, as práticas empresariais menos correctas, o excesso de eficiência fiscal, o uso de "offshores" para fuga às obrigações fiscais ou desvios de dinheiro, fizeram danos reputacionais em muitos dos líderes empresariais que são difíceis de recuperar. Para Soledade Carvalho Duarte, todos estes casos devem ser "vistos e recordados em toda a história que protagonizaram e não só reduzidos ao infeliz 'episódio final'". Defendeu que nem se deve passar uma esponja pelo que se passou, mas também não se deve cair no juízo célere e expedito. "Os falhanços são um manancial de ensinamentos senão só para os próprios, para todos nós que queremos aprender com eles e sobretudo não repetir erros que eles cometeram. Muito mais importante do que cairmos na tentação de os julgar, é o de lermos a sua história e aprendermos com os seus erros. É vital conseguir separar o trigo do joio, ver para lá do imediato, não fazer juízos precipitados e sobretudo esperar até conseguirmos ver com claridade o que de facto aconteceu. Não tomar a parte como o todo, não saltar para as conclusões até ter a certeza de que temos a visão correcta e mais completa da história, parece-me ser o prudente", refere a "head-hunter".

Fernando Neves de Almeida, "managing partner" da Boyden, distingue a reputação pessoal da empresarial. Considera que "a reputação pessoal é muito difícil de recuperar" e, nalguns casos, "é irrecuperável". Quando se fala de reputação organizacional é diferente: "As organizações recuperam mais facilmente de danos reputacionais, quanto mais não seja mudando a estrutura dirigente", conclui o gestor da Boyden.

Novos tempos requerem novas competências e novas atitudes. O exemplo de três grandes grupos económicos que foram geridos por empresários carismáticos e com alguma intervenção pública e empresarial permitem estabelecer o padrão das diferenças. Belmiro de Azevedo e Alexandre Soares dos Santos construíram um perfil de intervenção empresarial e pública bastante activo, nomeadamente o criador do Grupo Sonae, enquanto Américo Amorim se fazia mais parco nas palavras e mais activo em negócios. Os seus sucessores à frente dos principais negócios, Paulo Azevedo na Sonae, Cláudia Azevedo na Sonae Capital, Pedro Soares dos Santos na Jerónimo Martins, José Soares dos Santos na Sociedade Francisco Manuel dos Santos, e António Rios de Amorim na Corticeira Amorim são mais discretos e menos intervenientes, mais focados e mais transformadores dos negócios, mas sem rupturas com o passado.

Mas que características se pedem a líderes empresarias que queriam ter influência além dos seus negócios? "Além das características associadas ao empreendedorismo e à gestão, diria que um comportamento ético acima de qualquer reparo e responsabilidade social são duas dimensões fundamentais", salienta Fernando Neves de Almeida. Por sua vez, Miguel Pina e Cunha argumenta com "a capacidade de compreender a dimensão de virtuosidade inerente ao trabalho de liderar. Um bom líder necessariamente é capaz de manter um meio-termo equilibrado. Este é um exercício para a vida. Não é algo que se alcança e está alcançado. Ser capaz de perceber a gestão como uma actividade orientada para criar benefício comum e com efeitos positivos que ultrapassam o lucro".

Para Soledade Carvalho Duarte o que se pede aos líderes empresariais actuais é que "sejam boas pessoas", que consigam ir além da frieza do mundo dos negócios e coloquem "as pessoas em primeiro lugar, criando valor para a sociedade em geral além do retorno para o accionista". Além disso era importante que, entre outros atributos, fossem "coerentes, consistentes, alinhados com a verdade e com a justiça e que orientem e inspirem as suas equipas para a defesa do bem comum, vencendo a tentação da procura dos resultados imediatos".


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