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O desafio do novo proteccionismo comercial e fiscal

As limitações às trocas comerciais em sentido lato vão agravar-se, ainda que hoje as cadeias de valor e a produção globalizada dificultem o proteccionismo. Vai acentuar-se também a concorrência fiscal internacional.

20 de Abril de 2017 às 11:39
Bruno Simão
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"As várias eleições europeias deste ano, assim como o desenrolar da negociação do Reino Unido com a União Europeia, terão um impacto negativo na liberalização da economia mundial", refere Jaime Carvalho Esteves, "head of tax" e responsável pela área de Governo e Sector Público da PwC para Angola, Cabo Verde e Portugal. Alerta para o perigo do início de uma guerra comercial, que provocará mais limitações à liberdade de movimentação dos factores de produção: trabalho, bens, serviços e capitais.

Para o professor na Nova School of Business and Economics, João Amador, parte de pressupostos ilusórios. Por um lado, "acredita-se que existem ganhadores e perdedores com o comércio internacional, mas não é necessariamente assim. Os ganhos globais tendem a ser superiores às perdas pelo que correctas políticas de redistribuição poderiam deixar todos melhor". Além disso, "as tarifas parecem positivas pelo facto de promoverem a produção e o emprego interno, mas ninguém refere que todos os consumidores pagarão mais pelos produtos, e tais perdas são colectivamente superiores aos ganhos".

Cadeias de valor dificultam proteccionismo

"As limitações às trocas comerciais em sentido lato deverão agravar-se, assim como a concorrência fiscal internacional", diz Jaime Carvalho Esteves. Coloca a hipótese de o Reino Unido se tornar a antiga Suíça ou a actual Singapura da Europa, para manter a relevância de Londres nos mercados financeiros internacionais. Por sua vez, os Estados Unidos vão tentar reduzir a tributação das sociedades, como forma de repatriar capitais, e aumentar as tarifas aduaneiras para protecção do mercado interno e captação e atracção de produção.

No entanto, João Amador acredita que as trocas comerciais se manterão sem grandes perturbações, pois "limitar as trocas internacionais é hoje algo muito diferente de tomar tal decisão numa época em que as etapas da produção estavam geograficamente concentradas". Explica-o com o paradigma de organização da produção em que as empresas recorrem ao exterior para comprar peças e componentes que incorporam nos seus produtos, que depois são exportados para integrar outras produções e quando chegam ao consumidor final já percorreram uma complexa cadeia internacional. "Fortes perturbações nestas cadeias teriam consequências brutais na produção e no emprego em todo o mundo. Na verdade, os países são muito interdependentes e os choques têm efeitos em cascata. Veja-se o impacto internacional do acidente nuclear de Fukushima em 2011 ou o tremendo colapso do comércio após o início da crise de 2008", refere João Amador.

Exportações ficam mais difíceis

A tendência mais proteccionista poderá ter impactos fortes nas empresas portuguesas exportadoras. "A economia portuguesa atravessa um período de forte dinâmica nas exportações de bens e serviços que se iniciou alguns anos antes da crise económica e financeira de 2008", recorda João Amador. E foi esta evolução das exportações que mitigou os efeitos da crise recente e permitiu recuperar grande parte das quotas de mercados que haviam sido perdidas no contexto do alargamento a leste da UE e da plena entrada da China no comércio internacional e procuram intensificar a internacionalização. "Neste cenário, uma forte perturbação das condições vigentes no comércio internacional seria muito desfavorável pois voltaria a exigir ajustamentos. Embora as novas empresas exportadoras pareçam mais preparados para sobreviver num contexto internacional muito competitivo, uma desaceleração das exportações colocaria seriamente em risco o crescimento económico português", reconhece João Amador.

Os ganhos tendem a ser superiores às perdas, pelo que correctas políticas de redistribuição poderiam deixar todos melhor.  João Amador
Professor na Nova School of Business and Economics

"As empresas precisam de poder continuar expandir-se no exterior. Seja por via de exportações, seja por via de investimento. Mas, claro, os mercados tornam-se cada vez mais difíceis", refere Jaime Carvalho Esteves. Acrescenta que "este recrudescer do proteccionismo a nível global implica que as empresas precisam de continuar a diversificar os seus mercados, forjar novas parcerias com agentes económicos locais e diversificar e intensificar as suas fontes de financiamento. Em suma, precisam de continuar a ganhar escala, algo que não fazemos bem." Mas no novo mundo que se abre "a concorrência tornar-se-á maior nos nossos mercados tradicionais de exportação", salienta Jaime Carvalho Esteves.

O novo papel da diplomacia económica

Perante estas tendências mais proteccionistas a diplomacia económica "terá agora um papel ainda mais relevante, permitindo abrir mercados e políticas de excepção para os agentes económicos portugueses" como diz Jaime Carvalho Esteves. Uma limitação do comércio internacional implica a necessidade de políticas multilaterais em espaços naturais, como seja o espaço lusófono, entretanto mais fechado e com maiores níveis de concorrência de agentes económicos oriundos de outros países, como China, Médio Oriente, Turquia ou França.

"As políticas bilaterais e multilaterais terão relevância crescente (acordos comerciais, de protecção de investimentos ou de minimização da dupla tributação), bem como as políticas nacionais, seja pelo fomento da indústria local, seja pela atracção de investimento, seja pela introdução de factores de competitividade como zonas económicas especiais", diz Jaime Carvalho Esteves.

A desglobalização é um movimento de correcção inevitável 

Para Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, está-se no início de um movimento de correcção pendular e de reajustamento complexo e perigoso, à vertiginosa globalização. Esta arrastou "praticamente, três quintos da humanidade para o modelo de economia de mercado e de consumo ocidental" e provocou "alterações geopolíticas de fundo - o fim da União Soviética, a introdução do capitalismo na China, o descrédito do comunismo e do modelo de economia de direcção central e do fim da guerra fria".

No final do milénio anterior parecia-se assistir-se ao fim da História, "parecia trazer o liberalismo de modo definitivo", mas no novo milénio assiste-se "a um rápido recrudescer das políticas proteccionistas", diz Jaime Carvalho Esteves. Este responsável da PwC vê na crise financeira em 2008 o início do fim da era da liberalização, com as sucessivas crises como as dívidas soberanas, a económica e social, as políticas de austeridade e rigor, os grandes movimentos migratórios. Por fim, a redução do consumo no mundo ocidental provocou a desaceleração do crescimento nos países emergentes e parte da queda da cotação de matérias-primas. O encerramento das fronteiras surge como solução, protegendo o mercado nacional da concorrência externa gera-se emprego e segurança.

As forças de integração planetária

É este cenário que "justifica movimentos de elevada magnitude e forte repercussão como a saída do Reino Unido da União Europeia, a expectável limitação dos movimentos migratórios e introdução de ajustamentos fiscais à entrada de mercadorias e serviços nos Estados Unidos (o denominado, mas ainda não totalmente explicitado, "border adjustment"), assim como outras medidas proteccionistas por parte dos Estados mais desenvolvidos". Estas medidas provocam a reacção de outros Estados e "o aprofundamento de regras já generalizadas como a imposição de requisitos locais mínimos (as ditas local 'content rules'), a fixação de restrições cambais e ao investimento, o estabelecimento de tarifas aduaneiras mais pesadas e assim sucessivamente", explica Jaime Carvalho Esteves.

A 'desglobalização' é um movimento de correcção inevitável e nalguns casos necessário. Mas não será mais do que isso. Luís Amado
Ex-ministro dos Negócios Estrangeiros


Tudo isto provocou grandes desequilíbrios à escala global cujos efeitos se fazem sentir. "Não vai ser fácil, no meio de tanta instabilidade e desordem encontrar um novo equilíbrio que acomode os interesses das principais potências e regiões económicas. Ainda assim, a impossibilidade da guerra total, como as que conhecemos no século passado, imporá outras soluções necessariamente", reflecte Luís Amado.

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros refere que "a 'desglobalização' é um movimento de correcção inevitável e nalguns casos necessário. Mas não será mais do que isso. As forças de integração planetária são mais fortes e acabarão por impor a sua trajectória na economia, na política, nas ideias". É um processo de correcção. Mas Luís Amado não acredita que a renegociação dos acordos comerciais "exprima numa tendência proteccionista como a que se viveu nos anos 20 e 30 do século passado".

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