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José Alves: "Não existe um só caminho para a excelência"

Para o líder da PwC, José Alves, as empresas portuguesas tiveram de se focar na eficiência para resistir à crise. Umas conseguiram resistir e crescer, mas muitas se perderam pelo caminho. Diz ainda que o papel de todos os intervenientes na economia é fazer com que os escândalos financeiros sejam apenas episódicos.

20 de Agosto de 2014 às 11:10
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José Alves, que assumiu a liderança da PwC em 2011, diz que o problema de Portugal não é a exportação de talentos, mas a incapacidade de os atrair.

 


José Alves, 53 anos, é, desde julho de 2011, o Territory Senior Partner da PwC em Portugal. Natural de Melgaço, licenciou-se em Economia pela Faculdade de Economia do Porto e é também Revisor Oficial de Contas (ROC). Está na PwC desde 1984, passou a partner em 2003 e integrou entre 2001 e 2003 o Territory Leadership Team, órgão de gestão da PwC em Portugal, tendo retomado estas funções a partir de 2007. Foi docente da cadeira de Auditoria no MBA em Finanças da Faculdade de Economia do Porto entre 2004 e 2008, tendo também integrado o corpo docente do ISAG em diversos períodos.

 

O que é que caracteriza as melhores empresas portuguesas? Quais são os traços comuns?
Não existe um só caminho para a excelência. Há um conjunto de factores que são fundamentais para que as coisas aconteçam. Em primeiro lugar há uma visão sustentável do negócio. É muitas vezes esquecido, mas ter uma visão de sustentabilidade do negócio é fundamental. Não podemos ter uma visão de curto prazo. Uma organização que queira ser vencedora tem de ter uma visão de médio e longo prazo. Caso contrário será um triunfo fútil que desaparece e se esfuma em dois tempos. Portanto a visão apoiada na sustentabilidade é fundamental.
Lembro-me de um gestor português que fez parte da estrutura de gestão de uma empresa japonesa e contava que na primeira reunião do conselho de administração ficou muito espantado quando o presidente da empresa abriu a reunião a dizer qualquer coisa como isto: "nós, dentro de 100 anos, queremos ser líderes…".


Dito isto é óbvio que uma organização tem de ter uma gestão e processos eficientes, os recursos adequados e o talento. São sempre os mesmos factores: talento, capacidade organizacional boa ou acima da média, a visão de longo prazo e depois perceber qual é o papel da empresa no contexto económico e em que espaço é que se deve situar. As nossas empresas cometem grandes erros estratégicos porque estão muitas vezes em espaços em que a sua capacidade para vencer fica mais diminuída. É fundamental posicionar-se no sítio certo.


Qual foi o comportamento das empresas neste processo de crise?
Olhando para a economia portuguesa como um todo considero que houve alterações significativas. Temos menos empresas de serviços do que antes da crise, porque era óbvio que teria de haver uma diminuição do peso dos serviços na economia portuguesa. Deveremos ter menos empresas industriais do que tínhamos, mas as que subsistiram são hoje muito mais eficientes e capazes e contribuíram para o crescimento das exportações.


Um empresário disse-me há algum tempo uma coisa que espelha muito dos efeitos da crise na economia portuguesa. Neste período de crise, ou seja nos últimos três anos, a luta pela sobrevivência, com o aperto do crédito e a necessidade de novos mercados, fez com que a produtividade tivesse aumentado mais do que nos dez anos anteriores.


Viveu-se à sombra do capital barato e sem necessidade de atingir o nível competitivo em que estamos hoje. Possivelmente isto também está reflectido no aumento das exportações que se tem registado, a que se tem de juntar o facto de o mercado interno se ter fechado.
Esta adaptação das empresas já tinha acontecido na década de 1990 quando acabou a desvalorização do escudo. Nessa altura deixou de haver a muleta da desvalorização e foi necessário trabalhar no sentido de aumentar níveis de produtividade, de eficiência e de eficácia ao nível das operações.


No entanto subsistem problemas. Portugal é dos países da Europa em que as empresas têm menos capital próprio e que vivem sobretudo de capital alheio. Esta falta de capital, ausência de incentivos para que o capital entre nas empresas ou mesmo inexistência de capital no país é um drama porque com as actuais restrições de crédito as empresas vão caindo em catadupa porque não tem sustentabilidade.

 

Este caso do Grupo Espírito Santo e outros escândalos financeiros que impacto têm na forma como as pessoas vêem e confiam nos empresários, gestores e auditores?
Era preferível que nada disto existisse, a verdade é que, queiramos ou não, estes vão acontecendo ao longo do tempo. Era bom para a economia e para a probidade de todos os agentes do tecido económico que estas situações não tivessem lugar. Mas como estas coisas acontecem, temos de fazer com que aconteçam o menos vezes possível. A verdade é que perfeição não se consegue atingir e por isso todos os intervenientes têm de ter um papel activo para que isto não aconteça ou seja apenas episódico. 

 

 

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"Do défice da qualificação à globalização do talento"

 

José Alves refere que o CEO Survey de 2014 mostra optimismo dos gestores portugueses em 2013. Não deixa de salientar que precisamos de qualificar as pessoas e atrair talentos.


No CEO Survey da PwC em 2013 apenas 34% dos CEO confiavam no crescimento da sua empresa, passando para 86% este ano. Este optimismo para os próximos tempos tem substância?
Ainda bem que começamos a ser optimistas porque há dois anos estávamos numa situação muito caricata porque 70% dos CEO europeus e 50% dos gregos estavam confiantes, e Portugal registava valores que eram metade da Grécia. De facto temos tendência para ser pessimistas relativamente àquilo que pode ser o futuro e por isso tínhamos os nossos empresários menos confiantes do que os gregos.


É altura de facto de acreditar que é possível fazer as coisas de uma diferente e muito melhor. Quando me perguntam "como é que vão as coisas", costumo dizer que uma pessoa não se pode queixar porque o dia de amanhã pode ser pior que o de hoje.


Há razões que justificam isto. As expectativas alteraram-se por causa de alguns indicadores que apareceram na economia portuguesa. Se são sustentáveis ainda não sabemos. Mas há sinais de esperança.


O que é falta para libertar a energia empreendedora, se é que esta existe?
A mentalidade dos nossos jovens, até por força do contexto social, alterou-se. Se no passado os jovens faziam a universidade, entravam numa empresa e ficavam, ou passariam em mais uma ou duas. Hoje estão a seguir caminhos completamente diferentes e nota-se um empreendedorismo jovem que não se notava no passado. Não consigo confirmar isto com dados, mas é o que parece estar a acontecer em termos de economia portuguesa.


Mas temos um défice significativo de formação. Uma das coisas mais dramáticas no país é o facto de termos um índice de 37% de pessoas que acabaram o secundário enquanto na Europa a média é superior a 70%, o que nos vai afectar durante duas gerações. Quando se fala da competitividade da economia portuguesa não se pode esquecer disto. Claro que tem havido mudanças significativas, porque se antes do 25 de Abril de 1974 só 7% dos jovens fazia o ensino superior, neste momento são 32%.

 

Talento que nos escapa…
Hoje o espaço de trabalho destes jovens não é Portugal é o mundo. Têm uma mobilidade que não existia. A PwC tem em Portugal 1000 pessoas e temos 5% destas pessoas a pedir para serem transferidos para outros países e têm possibilidades em Portugal de ter uma carreira de sucesso. No entanto, querem ir para outros países. Portanto trabalhar fora de Portugal é por vezes, infelizmente, uma necessidade sobretudo para os menos qualificados, mas uma escolha para os mais qualificados.


Os nossos quadros que vão em períodos de dois anos para outros países, muitos deles ficam nos sítios para onde vão e nos países mais variados, desde a Inglaterra e o Luxemburgo ou Bélgica, até a Austrália, os Estados Unidos ou o Brasil. Tem a ver com a globalização e a forma como se olha hoje para o trabalho. O problema de Portugal não é a exportação de talentos, é a incapacidade de os atrair. 

 

 
Um prémio contra a depressão

A ideia do Prémio Excellens Oeconomia, uma parceria entre o Negócios e a PwC, surgiu em fins de 2012 porque, segundo José Alves, "era importante, num período tão deprimido como estávamos na altura, lançar uma iniciativa que estimulasse a excelência na nossa economia". Porque, para José Alves, "premiar é estimular" tanto as personalidades, que se tenham destacado, como nas empresas, que se aproximem da excelência, tendo em qualquer dos casos em atenção o percurso e a evolução. Para o líder da PwC, na situação actual ainda é mais relevante realçar "aqueles que estão e conseguem estar a fazer bem, que ultrapassam as limitações e as dificuldades e fazem com que as coisas funcionem".


O objectivo, segundo José Alves, é fazer "do prémio uma referência de mercado". Acrescenta que "as pessoas e as empresas já dão valor a este prémio, diz alguma coisa aos premiados. É o reconhecimento do seu trabalho e do seu percurso ao longo de toda uma vida, no caso das personalidades. No caso das organizações, destaca-se a capacidade de criar equipa com élan capaz de vencer nos dias de hoje". A Frulact foi a vencedora do primeiro Prémio Excellens Oeconomia, em 2012, seguindo-se a Sogrape no ano seguinte. Em 2012, Luís Portela, da Bial, foi escolhido como Personalidade do Ano. Em 2013, o galardão foi entregue a António de Melo Pires, da Autoeuropa.

 

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