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Internacionalização: A oportunidade global

A internacionalização exige planeamento e preparação, tempo, capital e competências de gestão, mas, como diz Jaime Carvalho Esteves, "o problema é que tudo isto são precisamente factores que não abundam em Portugal". Mas é importante até peça emergência do neoproteccionismo.

13 de Abril de 2016 às 10:26
Sara Matos
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"Por muito essenciais que sejam as simples exportações, e sem dúvida que o são, superar a denominada 'internacionalização de contentor' é absolutamente essencial", refere Jaime Carvalho Esteves, Tax Lead Partner and Government& Public Sector Leader da PwC. Miguel Athayde Marques, doutorado em comércio internacional e professor na Católica Business, que foi presidente do AICEP (na época ICEP) e gestor de empresas como a Jerónimo Martins e a Galp Energia, diz que "saber exportar com valor acrescentado é diferente de exportar para contentores". Neste caso a empresa que exporta "não participa na decisão e não captura o benefício". Internacionalizar é passar desta fase para a "venda em mercados, é ter capacidade de conhecer o mercado, informação sobre os consumidores, conhecer as tendências e a concorrência, em que a gestão tem várias valências e capacidade para trabalhar o marketing mix (preços, publicidade, distribuição)", acentua Miguel Athayde Marques.

A decisão de internacionalização é estratégica refere Carlos Vasconcelos, presidente da Quantico. "Pode assumir várias fases, desde a simples exportação ocasional até ao investimento directo mediante abertura de filiais e/ou aquisições", conclui. As fases vão da exportação ocasional à sistemática através de agentes, franchising ou joint-ventures, passando pelo investimento directo tanto para rede comercial própria como para implantação de unidade produtiva. "À medida que a empresa cresce na cadeia de comércio internacional aumenta o risco, mas também o potencial de rentabilidade", avisa Carlos Vasconcelos.

A internacionalização exige planeamento e preparação, tempo, capital e competências de gestão, mas, como diz Jaime Carvalho Esteves, "o problema é que tudo isto são precisamente factores que não abundam em Portugal". Acrescenta que tudo passa por "arrumar a casa internamente, obter músculo financeiro, estudar e conhecer a fundo os vários mercados potenciais, testar alguns, escolher depois os mais adequados, afinar a estratégia em função da realidade e esperar. Em síntese, dispor de capital sabedor e paciente". Como refere Carlos Vasconcelos, "é imperioso ter processos 'state-of-the-art', economias de escala (em particular nas compras, produção e actividades de marketing estratégico), ser permanentemente inovador e entender o que são centros de excelência e centros de competência".

Para internacionalizar é preciso ter capital, pessoas e talento, sublinha Miguel Athayde Marques. A empresa tem de construir uma tecnoestrutura competente, em que a empresa não dependa do dono da empresa e que tenha pessoas com experiência profissional, académica, ter um corpo de gestores. "E isto é fundamental", refere o académico e gestor. O capital é necessário, mas não é suficiente: "Se houver pessoas e equipa, o capital aparece, por isso ter pessoas é mais importante do que o capital", resume Miguel Athayde Marques. No capital é importante o capital próprio, "por isso quando se toma a decisão de internacionalizar tem de se ter consciência de que não se pode investir em outros projectos pois têm capitais próprios fortes", sublinha o gestor e professor.

A escolha dos mercados deve basear-se em critérios como os de dimensão, crescimento e rentabilidade. Jaime Carvalho Esteves alerta: "Um dos riscos mais significativos e que mais vejo concretizar-se com muita frequência consiste em não perceber o novo mercado. Os hábitos, a cultura, as leis, a regulamentação, o que é e o que não é aceitável, divergem fortemente de mercado para mercado e um erro pode deitar tudo a perder." Por outro lado é importante a análise da concorrência. Exemplifica: "Não é por acaso que as empresas de construção civil e obras públicas portuguesas não escolheram os mercados da Europa Central ou do Sul e sim os mercados africanos, da América do Sul ou da Europa de Leste." Preferiram mercados onde há menos concorrência e as suas competências são mais fortes.

É fundamental também que os bens ou serviços se adeqúem à procura local e tenham uma qualquer vantagem, que pode ser tão simples como os custos de transporte. "Por exemplo: no auge das importações de bens produzidos na China, muitos contentores iam para lá vazios. Então era barato encher esses contentores e transportar os bens a baixo custo", ilustra Jaime Carvalho Esteves.

Este responsável da PwC chama ainda a atenção para o que denomina neoproteccionismo, que "impede, onera ou dificulta as exportações". Este novo paradigma "impõe uma presença local, seja para produzir, seja para pelo menos proceder à montagem final dos produtos, e por essa via contornar o encerramento dos mercados aos produtos locais". É mais um factor a juntar-se à importância do acesso aos canais de distribuição.

Nadar com os peixes grandes  Uma forma de partir para mercados externos mais seguros é seguir um cliente ou uma empresa grande, que por vezes têm programas de apoio como a Mota-Engil

"Internacionalizar em parceria é uma forma de aprender e de partilhar os riscos", refere Miguel Athayde Marques que ilustra as afirmações com dois exemplos paradigmáticos que são a Simoldes no negócio dos componentes automóveis ou a Logoplaste nas embalagens. Mas há grandes empresas portuguesas com uma forte presença internacional que têm programas de apoio à internacionalização como é o caso da EDP ou da Mota-Engil. Também a Ascendum, que actua em mercados como os Estados Unidos, Espanha, Angola, entre outros, está disponível para apoiar empresas portuguesas no seu processo de internacionalização para estes mercados.

A Mota-Engil tem este projecto em parceria com a Caixa Capital e a AICEP. O Programa Internacionalizar em Parceria está focado no apoio a PME portuguesas de base industrial que pretendam internacionalizar-se para qualquer um dos 22 países em que o Grupo Mota-Engil se encontra. Os apoios vão desde a reformulação do plano de negócios, estudos de mercado, ao apoio financeiro, investindo até 49% do capital, operacional e técnico para os projectos, e acompanhamento da evolução da actividade da empresa em todo o seu ciclo de actividade. "Podemos assim dizer que actuamos como uma capital de risco que não fica pelo apoio financeiro, mas que ajuda directamente na identificação de oportunidades, e em toda a colaboração com a banca local e os principais interlocutores públicos e privados em cada mercado, tendo um prazo de permanência até 5-6 anos", refere Arnaldo Figueiredo, vice-presidente do Grupo Mota-Engil e presidente da Mota-Engil Indústria e Inovação.

Neste processo, o programa já conta com alguns casos bem-sucedidos. A Sangobiar Peru, subsidiária da metalomecânica que actua em Portugal sob a marca Solargus, é um dos casos e hoje a Mota-Engil Peru é o principal cliente desta empresa. Em Angola, nasceu a Pneu Ang, subsidiária da Recauchutagem Nortenha, e em que a Mota-Engil e a Caixa Capital são accionistas, tal como a MM Metálica, uma empresa que actua no sector da metalomecânica e com um portefólio especializado no fabrico de condutas e acessórios de chapa galvanizada em alumínio e inox para sistemas AVAC.

No entanto, a crise fez descer o número de empresas PME interessadas na expansão internacional. Por isso, Arnaldo Figueiredo refere que havia "uma expectativa mais elevada no número de empresas a candidatar-se a este programa". Mas como sublinha, "o programa continua activo".

No entanto, como refere Carlos Vasconcelos, presidente da Quantico, "pode ser instrumentalmente útil (ou necessário) seguir um grande cliente que se internacionaliza, por exemplo, mas a decisão de internacionalizar uma empresa é profundamente estratégica, É sobretudo, um 'mindset' que implica estar onde o crescimento rentável e sustentável estiver".

Os principais erros  A fuga para a frente, a falta de liderança e de preparação podem ser fatais.

Para Carlos Vasconcelos, presidente da Quantico e com experiência na gestão internacional, os principais erros resultam de uma ineficiente preparação. Acentua que são "processos complexos, que exigem meios humanos e financeiros adequados". De uma forma geral, "os principais riscos que tenho encontrado são a impreparação das lideranças (é o erro mais comum), a dificuldade em compreender a complexidade da multilocalização, as diferenças culturais e conseguir o foco nos clientes locais, sem perda de eficiências globais".

Tanto Carlos Vasconcelos como Miguel Athayde Marques contestam o método em que a empresa faça a sua internacionalização seguindo uma tendência ou moda seja de ordem política, de sector ou por imitação. Esta deve ser feita a partir da "compreensão de que, num mundo global, as maiores oportunidades estão fora das nossas geografias de origem".

Por sua vez Jaime Carvalho Esteves, Tax Lead Partner and Government& Public Sector Leader da PwC, considera que normalmente os erros resultam da falta de preparação. Exemplifica com um exemplo clássico que é o de não ponderar adequadamente a tributação do empreendimento de "de tal modo que o cruzamento das pretensões tributárias dos vários Estados envolvidos conduza a uma tributação superior a 100% do rendimento, tornando uma operação lucrativa numa operação deficitária. O que frequentemente sucedia com empreitadas de obras públicas no Norte de África".

Alerta ainda para o que chama de "síndrome de fuga para a frente, na proximidade do abismo" em que as empresas pensam que a internacionalização é a panaceia para a resolução dos seus problemas e acabam por delapidar a imagem da empresa, os seus recursos financeiros e, no limite, comprometer a sua viabilidade. Chama ainda a atenção para "pensar pequeno" e "preferir ser rei de um reino exíguo a príncipe de um império", e fazer tudo sozinho em vez de se associarem.


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