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Capital, gestão e pessoas: o trio de ataque ao crescimento

"30% do gap de produtividade para os melhores poderia ser anulado por adoção das práticas de gestão prevalecentes nos países de topo", refere Alberto Castro, professor da Católica Porto Business School.

Filipe S. Fernandes 22 de Maio de 2019 às 14:30
Madalena Cascais Tomé, elemento do júri Excellens Oeconomia
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Durante o século XXI, Portugal tem apresentado crescimentos débeis, estagnação e até quedas do PIB, como aconteceu em 2003, 2009, e entre 2011 e 2013. O que se tem refletido no rendimento dos portugueses. Como fazer crescer a economia portuguesa? "Essa é a pergunta do milhão de euros...", responde Alberto Castro, professor da Católica Porto Business School. A resposta clássica "é melhorar as qualificações dos trabalhadores, aumentar, quantitativa e qualitativamente, o stock de capital e fertilizar tudo com o progresso tecnológico que, desejavelmente, nos fará subir na cadeia de valor por diferenciação vertical ou por diversificação (para setores mais produtivos)".

Mas a receita "depende do 'cozinheiro' e da forma como este se organiza e trabalha". Em linguagem da gestão, depende dos gestores e dos métodos e processos adotados e, é tal a dependência, que, como diz Alberto Castro, "30% do gap de produtividade para os melhores poderia ser anulado por adoção das práticas de gestão prevalecentes nos países de topo".
Alberto Castro, elemento do júri Excellens Oeconomia
Alberto Castro, elemento do júri Excellens Oeconomia
O crescimento tem de se basear "num ambiente de cooperação entre privados, publico e cidadãos, para que saibamos tomar as melhores opções a cada momento" refere António Correia, partner da PwC. Acrescenta ainda condições como a criação de um ambiente de confiança, em que os empresários sintam que vale a pena investir, mais formação e educação, a captação de investimento estrangeiro e, sobretudo, pessoas. "No mundo mais desenvolvido os crescimentos per capita são menores que 1%, as economias que crescem são as que acrescentam mais pessoas, e Portugal é nesse ponto das que mais decresce na sua população, e só muda com mais filhos e com a imigração", observa António Correia.

O papel da automação

"A automação e, em geral, a tecnologia podem proporcionar a injeção necessária de produtividade, sendo uma das principais soluções para contrariar a tendência de abrandamento do PIB", assinala António Saraiva, presidente a CIP, baseando-se no estudo sobre "Automação e o Futuro do Trabalho em Portugal", promovido pela CIP e elaborado em parceria com o McKinsey Global Institute e a Nova SBE.
António Saraiva, elemento do júri Excellens Oeconomia
António Saraiva, elemento do júri Excellens Oeconomia
Adiciona-se a necessidade de mais investimento, indispensável à incorporação de inovação tecnológica nos produtos e nos processos e ao aumento dos níveis de capital por trabalhador, "um dos fatores que estão na base dos baixos níveis de produtividade da nossa economia e no seu fraco crescimento potencial". Além disso, aumentar a qualificação dos recursos humanos, pois "Portugal é, ainda, o país da União Europeia com a mais alta percentagem da população empregada com baixas habilitações".

Madalena Cascais Tomé, CEO da SIBS, sublinha que existem fatores muito diversos, não só de atuação direta dos agentes económicos, mas de contexto, que podem facilitar o crescimento económico. Destaca como primeiro fator, o talento, através da educação superior, mas também ao longo da vida, alavancada na tecnologia e da capacidade de atrair e reter talentos do mundo. O segundo fator passa por "assegurar o level playing field de condições regulatórias, fiscais, entre outras", para que as empresas as portuguesas possam "ganhar escala e eficiência" no seu mercado doméstico, e estarem mais aptas a competir no mercado global.

Défices de gestão

"Portugal é um país que tem enormes défices de gestão", diz Luís Marques Mendes, advogado e consultor na Abreu Advogados. Numa espécie de silogismo assinala que "a prova é que os trabalhadores portugueses que trabalham no estrangeiro são, por norma, altamente produtivos. Logo, a culpa não está nos trabalhadores. E as empresas estrangeiras que operam em Portugal têm, em regra, padrões elevados de produtividade. O que significa, por exclusão de partes, que as empresas nacionais têm um problema de gestão que deve ser encarado de frente e sem preconceitos".

Para Alberto Castro "em Portugal, há demasiadas empresas com défice nos métodos e processos de gestão". Os dados confirmam que os países com melhores indicadores de gestão, têm níveis de PIB per capita mais elevados e que a melhor gestão está correlacionada com melhor desempenho económico e financeiro. O professor da Católica do Porto recorre ao inquérito do INE às empresas sobre métodos e processos, para mostrar resultados "preocupantes". Quase todas proclamam "objetivos moderadamente ambiciosos, quase 60% não recolhem, com regularidade, informação sobre o seu desempenho corrente(!) e, no que toca à gestão das pessoas, só 45% têm prémios de desempenho".

Por isso Alberto Castro defende que "mais do que um choque impõe-se um esforço coletivo de divulgação dos melhores casos. Pode ser que os empresários e gestores portugueses sejam devotos de S. Tomé e precisem de ver para crer".

"Não precisa de um choque, mas de melhorias na gestão sim", explica António Correia. No recente CEO Survey da PwC ficou evidente o gap entre o que os gestores sabem e o que gostariam de saber nas várias vertentes da gestão. "Temos a primeira parte para melhorarmos o nosso conhecimento: a consciência de que precisamos mais. Falta a segunda, a adoção de medidas que nos permitam evoluir".

Considera António Saraiva que "vários estudos apontam para uma forte associação entre os níveis de qualificação de gestores e empresários e a produtividade. Apontam também para o impacto positivo das ações de formação para empresários". Como assinala Madalena Cascais Tomé, a formação contínua para os empresários e responsáveis de gestão é decisiva para o aumento da produtividade e competitividade, pois "segundo dados do INE e do Eurostat, mais de 50% dos empresários em Portugal não passaram no fim do ensino básico, e apenas 20% frequentaram o ensino superior".

Prémio Excellens Oeconomia, os jurados

Alberto Castro, economista e professor da Católica Porto Business School.

Ana Pinho, presidente da Fundação de Serralves.
André Veríssimo, diretor do Jornal de Negócios.
António (Sarmento) Gomes Mota, professor catedrático no ISCTE Business School.
António Brochado Correia, sócio da PwC e futuro presidente da PwC.
António Lobo Xavier, advogado na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.
António Saraiva (CIP), presidente da CIP.
António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Emílio Rui Vilar, administrador não executivo da Fundação Gulbenkian.
Fátima Barros, professora associada da Católica Lisbon Business & Economics.
José Manuel Fernandes, presidente do CA da Frezite.
Luís Amado, consultor e presidente do Conselho Superior da EDP e presidente do Conselho de Faculdade da Nova SBE.
Luís Marques Mendes, advogado e consultor na Abreu Advogados.
Madalena Cascais Tomé, CEO da SIBS.
Miguel Setas, presidente da EDP Energias do Brasil.
Pedro Rebelo de Sousa, sócio da SRS Advogados.
Ricardo Reis, Economista e professor na London School of Economics.



Empresários não são especuladores

As várias comissões de inquérito a episódios económico-financeiros têm gerado perceções negativas sobre a gestão e a iniciativa privada, mas também podem contribuir para reforçar a qualidade das instituições e das empresas.

Em 2018 as mulheres em Portugal representavam 42,5% dos empregados, 27,5% dos diretores executivos, 29,8% dos cargos de gestão e 26,5% dos cargos de liderança. O que permite que ainda se possa aplicar às organizações e às empresas a metáfora glass ceiling, que tem mais de 40 anos. Com base na sua experiência Paulo Ribeiro admite que perdurará durante mais alguns anos.


É necessário que as políticas sejam coerentes, consistentes e transparentes.


Há fatores que explicam isso como por exemplo o facto de "as mulheres, quando se tornam mães, deixarem de agarrar as oportunidades, achando que não estarão à altura dos desafios", ou "não existirem políticas internas nas organizações que estejam bem definidas e permitam que haja flexibilidade nos momentos certos da carreira das mulheres". Mas para o máximo potencial das suas colaboradoras, "é necessário que as políticas sejam coerentes, consistentes e o mais transparentes possíveis. Quando algo não é verdadeiro, sente-se e as consequências são ainda mais nefastas", alerta Paulo Ribeiro.

O partner and diversity leader da PwC assinala ainda que é necessário que existam role models dentro das organizações e que "existam dados dentro das organizações que permitam que fique claro a quem está na tomada de decisão, que os problemas são reais, existem e é preciso solucioná-los".

Na opinião de Paulo Ribeiro, em Portugal existe ainda "a questão cultural, muito enraizada, que está a funcionar como um entrave sério. Basta pensarmos na forma, por vezes radical, como o tema das quotas nos conselhos de administração das empresas cotadas foi debatido, até pelas próprias mulheres".
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