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Capital é decisivo para o crescimento das start-ups

Jaime Carvalho Esteves, da PwC, assinala que se Portugal é atrativo para as start-ups falha nas condições de escalabilidade, mais por "ausência de capital e falta de cooperação do que pela dimensão do mercado".

27 de Março de 2019 às 15:00
Jaime Carvalho é Head of Tax da PwC Portugal, Angola e Cabo Verde. Começou a sua carreira como consultor fiscal em 1988. DR
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"As start-ups de sucesso usualmente têm na base uma "grande ideia" aprovada pelo mercado, empreendedores visionários e resilientes, investidores iniciais com elevada capacidade, também de apoio não financeiro, e abriram-se em seguida ao capital estrangeiro", refere Jaime Carvalho Esteves, 55 anos, Head of Tax, da PwC Portugal, Angola e Cabo Verde. É licenciado em Direito pela Católica do Porto, tem formação em gestão na Nova SBE, IMD e Insead e está na PwC desde 1999. Começou a sua carreira como consultor fiscal em 1988.

O que é que torna Portugal tão atrativo para as start-ups? Quais são os principais fatores de atração?
É um facto que Portugal é uma localização altamente favorável para iniciar um novo negócio, nomeadamente no setor tecnológico. E é importante realçar que neste caso Portugal não se resume a Lisboa, sendo o "resto paisagem". Pelo contrário, por exemplo Aveiro, Braga, Coimbra, Porto e Viseu, para referir algumas cidades apenas, são também grandes centros de empreendedorismo.

Isto deve-se à qualidade dos empreendedores, claro, mas também ao trabalho dos inúmeros centros de incubação e ao espírito de colaboração entre os empreendedores, usualmente ausente de setores mais tradicionais da economia.

Ajudam ainda a qualidade e flexibilidade dos recursos humanos, as excelentes infraestruturas, em particular nas comunicações e transportes (incluindo o aumento dos destinos e frequências das ligações aéreas), vários incentivos financeiros e fiscais disponíveis, a qualidade de vida proporcionada e o facto de Portugal "estar na moda" enquanto destino de residência, o que permite atrair muito talento.

Quais são os fatores para ter um ecossistema favorável às start-ups?
A conjugação de muitas vontades individuais de "arriscar" numa ideia inovadora é o primeiro passo para um ecossistema empreendedor. Depois, todas as características que referi antes são também essenciais, como base, como pilares do enquadramento envolvente desse ecossistema.

Em seguida o ecossistema precisa de facilitadores e as incubadoras são essenciais na disponibilização de serviços de apoio, aconselhamento ou orientação para que a "excelente e inovadora ideia" não seja de imediato abafada pelas dificuldades práticas do arranque. Neste quadro os "business angels" (incluindo a APBA, Associação Portuguesa de Business Angels) e o seed capital são uma peça fundamental do ecossistema, porque para além de providenciarem fundos de arranque ou para o período imediatamente subsequente ao arranque, também têm aquela capacidade de mentoring e ainda de ligação a parceiros essenciais ao sucesso da atividade que referi.

Um dos problemas apontados é a falta de condições de escalabilidade. É apenas uma questão de financiamento, de mercado?
Apontaria mais para a ausência de capital e falta de cooperação do que para a dimensão do mercado. É um facto que um início promissor usualmente conduz à migração da gestão do projeto para o estrangeiro. Nas start-ups tecnológicas ou digitais, mesmo em mercados duais, a dimensão do mercado não é um constrangimento relevante, pois o mercado pode ser global. A facilidade de comunicação digital e o uso de uma língua franca, o inglês, tornaram obsoleta, na maioria dos casos, a ideia de um mercado delimitado por fronteiras.

Mas a relevância da dimensão, ainda que sem massa crítica, do crescimento tão rápido quanto possível, da aquisição de dados, mantêm a relevância extrema do fator capital. E claro que também em negócios com vertentes não exclusivamente digitais, a aquisição de ativos físicos ou a montagem de canais de distribuição exige também muito capital. Por fim, as start-ups carecem, na maioria dos casos, de parceiros que as ajudem a ganhar dimensão: quer como fornecedores, quer como clientes ou parceiros. Estas serão frequentemente empresas porta-avião de grande dimensão, típicas da economia tradicional e com presença global ou, pelo menos, estrategicamente plurilocalizadas. As quais infelizmente não abundam ente nós, mais uma vez por falta de capital e falta de cultura de cooperação. 

As práticas de financiamento mudaram

"Sejamos claros: não tendo Portugal capital disponível, nem público, nem privado, teremos de contar com o investimento estrangeiro para o "scaleup" dos empreendimentos", diz Jaime Carvalho Esteves. De facto, o estudo Scaleup Portugal 2018 analisou o top 25 de scaleups portuguesas, entre 2012 e 2017, e concluiu que as rondas de investimento atingiram os 111 milhões de euros, mas apenas 27,36% de origem portuguesa.

Como é que se poderia criar um ecossistema de scaleups?
Não é a dimensão do mercado, mas sim a exiguidade do capital e dos parceiros disponíveis que leva à dificuldade de scaleup das nossas start-ups. O aspeto positivo é que essa exiguidade é algo que podemos controlar e inverter. Mas o aspeto negativo é que não o temos conseguido fazer.

Sejamos claros: não tendo Portugal capital disponível, nem público, nem privado, teremos de contar com o investimento estrangeiro para o scaleup dos empreendimentos. Mas se estes são altamente móveis (já vimos a irrelevância da aparente dimensão do mercado de proximidade, o que aqui funciona contra nós), tem de haver uma razão para que o negócio prossiga em Portugal e não no local dos investidores e/ou dos parceiros que mencionei. E isso só ocorre se tivermos uma legislação civil, comercial, societária, regulatória, laboral e fiscal altamente atrativa.

Daí a relevância de instrumentos societários e financeiros modernos e pragmáticos, como fundos de investimento flexíveis, ou SGPS capazes de deter ativos "do século XXI" (por exemplo, derivados e opções, quando hoje estão limitadas apenas a investimentos típicos do século XX: participações qualificadas em sociedades). Assim como garantir um regime fiscal muito favorável e estável: por exemplo, alargar o âmbito do regime dos residentes não habituais (que exclui não só atividades relevantíssimas para a nova economia, como também rendimentos de capitais "modernos", pois praticamente só abrange dividendos e juros, mais uma vez os rendimentos típicos do século passado), manter pelo menos o quadro do Centro Internacional de Negócios da Madeira (não permitindo a exclusão da prossecução de atividades no exterior, já que a União Europeia parece querer reverter o âmbito da autorização dada) e dotar os instrumentos societários e financeiros (por exemplo fundos e SGPS) de grande eficiência fiscal, em especial para o investimento estrangeiro.

Por fim, o aspeto regulatório é fundamental. Por exemplo, temos um regime de direito civil relativo à compropriedade muito bem desenvolvido em termos internacionais. Deveríamos aspirar a ter regimes similares para smart contracts, aplicações em blockchain ou para a emissão, detenção e transação de criptomoedas ou ainda no que respeita à mobilidade elétrica ou à utilização da inteligência artificial.

Há casos paradigmáticos de start-ups em Portugal que tenham sido exemplares na sua estratégia de escalabilidade?
Não gostaria de mencionar exemplos que não sejam totalmente consensuais para não arriscar ser injusto em termos relativos. Mas penso que casos públicos e notórios como a Farfetch, Helpdesk, Uniplaces, são consensuais, a par de inúmeras start-ups transmitidas a grandes multinacionais (por exemplo, a MobiComp, vendida à Microsoft), sem esquecer os casos vintage da banca (Multibanco), Brisa (Via Verde) e PT (Mimo). 

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