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As regras da gestão ou a gestão sem regras definidas

Para João Talone, 'founding partner' da Magnum Capital, "a gestão não tem regras predefinidas, ainda menos estereotipadas". Por sua vez Mariana Cascais Tomé defende que as boas práticas de gestão são universais e independentes do seu contexto.

01 de Julho de 2015 às 11:50
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João Talone: Gerir é extrair de uma equipa de pessoas os seus talentos naturais


"Tem dificuldade de saber o que é realmente importante? Compre um caderno de 100 páginas e liste tudo que realmente ache digno de preocupação. Você vai preencher só 3 ou 4 linhas. Concentre-se nisso para só se preocupar com isso" é um conselho do empresário brasileiro Abílio Diniz, que fez do Pão de Açúcar um império da distribuição líder no Brasil, hoje pertencente ao grupo francês Casino.

Este empresário assenta a sua filosofia de gestão em máximas práticas como por exemplo "tenha um propósito maior que o lucro" porque como explica "a concorrência pode copiar tudo que fazemos, mas nunca vai conseguir copiar aquilo que somos" ou por ainda "tudo só funciona com as pessoas certas" ou "deixe os seus funcionários participarem activamente".

Estas máximas surgem de uma espécie de catálogo universal de bom senso. O que é um factor importante em gestão. Como disse Belmiro de Azevedo, "a gestão nada tem de misterioso. É uma arte simples, que se reduz a bom senso, mais boa formação, mais boa informação. E, sobretudo, o que conta é o bom senso".

Há gestores que preferem acentuar e realçar o domínio dos princípios e dos valores nas suas regras de gestão. "Procuro gerir-me por um conjunto de valores e boas práticas que acredito que no seu todo garantem a geração de valor de forma sustentada: estratégia, rigor, orientação a resultados, objectividade e inovação. Todas estas "regras" devem assentar numa relação próxima e de confiança com os colaboradores e 'stakeholders' da empresa" explica Madalena Tomé, CEO da SIBS, desde abril deste ano, vinda da PT. Fez Matemáticas Aplicadas no ISEG em Lisboa e começou a sua carreira profissional com passagens pela Andersen e Deloitte até chegar à McKinsey onde esteve seis anos seguindo-se a PT.

Luís Pais Correia, 'partner' da Thesis Energy elege princípios como a honestidade e explica que começa pelo próprio mas é "sobretudo com os outros", ou seja "dizer a verdade mesmo em situações difíceis", o que é "uma forma de coragem". Assinala princípios práticos como a liderança que deve ser "baseada em factos e na realidade não o fluff da última moda de gestão" e que implica "ouvir todos os que podem contribuir para uma decisão objectiva e decidir em conformidade)", tal como a motivação das equipas porque "o mundo é complexo e é necessário perceber as múltiplas interacções e ninguém pode fazê-lo sozinho nem ter sucesso se não tiver uma equipa motivada ao seu lado" explica Luís Pais Correia, licenciado em engenharia, que está ligado à área da energia há mais de 25 anos e fez grande parte da sua carreira na Dalkia, Grupo Veolia.

Regras de gestão vs modelos de governance
Há que distinguir regras de gestão das regras dos modelos de governance. Como refere Luís Pais Correia, "não há regras porque cada situação requer atributos específicos". "A gestão não tem regras predefinidas, ainda menos estereotipadas, muito menos se pode balizar numa 'check list' para 'box ticking'" sublinha João Talone, 'fouding partner' da Magnum Capital. Foi gestor de topo do BCP, onde chegou a CEO do grupo segurador europeu Eureko. Entre 2003 e 2006 liderou a EDP. Com Ángel Corcóstegui e Enrique de Leyva fundou, em 2006, a Magnum, private equity para a Península Ibérica.

As regras ou normas de corporate governance (governança ou governo das empresas) têm a ver com a regulamentação através de leis, regulamentos e regulamentações. Devem ser conjugadas com as regras de gestão mas estas são uma interpretação pessoal do gestor e da sua concepção de gestão.


A cartilha de João Talone não tem regras
A definição
"A gestão não tem regras predefinidas, ainda menos estereotipadas, muito menos se pode balizar numa 'check list' para 'box ticking'!".

A explicação
Estamos num tempo em que comunicamos por frases sincopadas, anglicismos (como acima!), sinais anexos aos teclados. E, cada vez mais, comunicamos através de meios digitais, despersonalizados. Nas organizações, grandes ou pequenas, passámos da falta total de comunicação para o 'reply all'. E gerir é, essencialmente, comunicar. Com qualidade. Em que a mensagem é preparada em função do destinatário e suscita a resposta.

A gestão é feita com pessoas. Para pessoas. As pessoas não são um instrumento. São um meio e um destino. As características fundamentais da gestão são as características das pessoas: a realização; a satisfação; o progresso espiritual, físico e material; a solidariedade; o amor ao próximo; a verdade; a responsabilidade; o errar e aprender; o aprender para evitar errar; os sucessos e a sua partilha; os insucessos e a sua avaliação; a renovação e a inovação; a visão de futuro escorada nas experiências passadas; o arriscar; o ponderar; o percorrer; o sentido do tempo, dos tempos…

E a base, a sustentação deste sistema aparentemente tão complexo mas realmente tão simples, é a comunicação. Verdadeira. Transparente. Atempada.

A gestão é a flexibilidade de adaptação consoante a comunicação. Recebida e partilhada. É o oposto da standardização. Mas vive da standardização; das melhores práticas; da comparação com as melhores referências; da melhoria contínua; da superação; da minimização do erro e maximização da eficiência.

Se tivesse que resumir numa frase: gerir é procurar extrair de uma equipe de pessoas os seus talentos naturais, muitas vezes por descobrir, e organizá-los eficaz e coerentemente para maximizar o bem comum. 

Há outros, sobretudo empresários, que dotam as suas organizações de regras de gestão e de modelos de corporate governance mas que sobretudo seguem a "intuição e visão estratégica", ou nas palavras de Américo Amorim "há coisas que nós fazemos por 'feeling' e eu sou muito assim". Por isso entra quando outros não arriscam e vende quando parece que o céu é o limite.

Há várias formas de falar de gestão. Madalena Cascais Tomé Para esta gestora as boas práticas de gestão são universais e independentes do seu contexto, isto é sector de actividade, dimensão ou cultura da empresa, acrescentando que para ter "sucesso na gestão devemos reger-nos sempre pelo rigor, transparência, flexibilidade e capacidade de inovar, tendo sempre a nossa estratégia bem definida para chegar aos objectivos definidos. Mas são tanto mais fortes quanto existam objectivos claros e uma cultura de valores partilhada pela organização".

João Talone é mais libertário na sua concepção actual de gestão. Aliás, esta sua veia levou a que a sua proposta para o primeiro projecto de Código do Instituto Português de Corporate Governanc (IPCG), fosse rejeitado em Abril de 2010 pela maioria das empresas do PSI 20 por propor medidas como a transparência da remuneração dos gestores. Diz que gerir "é procurar extrair de uma equipa de pessoas os seus talentos naturais, muitas vezes por descobrir, e organizá-los eficaz e coerentemente para maximizar o bem comum".


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Perguntas a António Brochado Correia
Partner da PwC

"O importante não é o que se faz, mas como se faz"

Quais são principais regras de gestão ou do gestor?
Ser gestor implica um misto de poder e de querer, ou seja, o poder que é dado pela formação, experiência, conhecimento e capacidade para a execução e o querer que a execução e implementação de uma estratégia. Gerir é, portanto, conduzir o talento, motivando-o, aproveitando a diversidade intelectual e cultural, rumo à execução de uma estratégia definida. A aprendizagem do gestor é essa, pela formação e pela execução/experiência. A essência e a base da gestão devem ser o compromisso, a propriedade e a integridade. Ser presidente de uma empresa é um dos papéis mais importantes no mundo democrático, pois significa liderança de uma equipa diversa e a esperança num mundo melhor, mais próspero. O importante nas empresas e da gestão acaba por ser não o que se faz, mas como se faz.

As regras de gestão mudam conforme o contexto, o sector de actividade, a dimensão ou cultura, a estratégia ou são constantes?
Princípios como a ética, o bom governo, a integridade e a responsabilidade corporativa devem estar sempre presentes e não dependem do contexto. No que diz respeito à cultura empresarial, negócio, país, dimensão ou mesmo estágio de desenvolvimento, a gestão deve ser adaptada a essas circunstâncias no talento que tenho e formo, nos níveis de interacção com o mercado, na gestão das relações, na proximidade e nos níveis de gestão intercalares que estabeleço.

O que faz uma boa gestão é uma organização ou são os gestores?
Os dois, pois são mutuamente condicionantes. A gestão é feita em muitos patamares da organização. Todos na organização devem-se sentir "donos" porque têm influência na gestão global, estando comprometidos na sua área de influência em atingir as metas assumidas. Portanto, gestão existe em vários cargos da empresa.
O gestor de topo toma ou deve tomar menos decisões que outros em níveis mais intermédios (porque deve delegar muito), mas as que toma são seguramente mais importantes e mais decisivas na organização, afectando, muitas vezes, de forma irreversível o futuro da empresa. Esta consciência é que deve estar bem presente nos gestores - as decisões afectam muito as várias partes interessadas. Isto, como sabemos, por alguns exemplos, infelizmente, nem sempre é assim.

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